Falar do tempo religioso na cultura portuguesa é falar, a um tempo, dos místicos e dos artífices do diálogo humano de uma dramaturgia que tem em Gil Vicente o seu exemplo mais evidente.
Lembremo-nos de Frei Tomé de Jesus e de Frei Agostinho da Cruz que põem o diálogo com a transcendência como modo de conhecer e compreender o mundo das pessoas e a força do próximo e do amor. E, se bem lermos as palavras que nos legaram, fácil é o entendimento do diálogo riquíssimo do “Auto da Lusitânia” entre Todo-o-Mundo e Ninguém, complemento natural da poética que Paul Claudel designou como con-naissance – nascimento em comum, partilha, proximidade e amor.
Frei Agostinho da Cruz é claríssimo: “Claros sinais de amor, ah saudade! / Minha consolação, minha firmeza, / Chagas de meu Senhor, redenção minha”. Mas, o tempo da Quaresma é dinâmico envolve a provação e a alegria, a limitação e a emancipação, a esperança da passagem suprema que é a Páscoa. “Minha aldeia na Páscoa… / Infância, mês de abril! / Manhã primaveril! / A velha igreja. / Entre as árvores alveja, / Alegre e rumorosa / De povo, luzes, flores… / E, na penumbra dos altares cor-de-rosa. / Rasgados pelo sol os negros véus. / Parece até sorrir a Virgem-Mãe das Dores. /Ressurreição de Deus!”.
A Quaresma é, assim, na expressão poética de Teixeira de Pascoaes, o culminar de um tempo de plenitude que chega à “manhã primaveril” da Páscoa e à força sublime da Ressureição.
Guilherme d'Oliveira Martins
Presidente do Centro Nacional de Cultura
(Imagem Google)
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CRUCIFICAÇÃO
As Sextas-Feiras Santas nos relembram
aquela madrugada sombria em Jerusalém
quando um Jovem Imaculado foi vítima
da traição humana.
O vento brando, a lua inibida,
o murmúrio das palmeira,
o gemidos das almas…
A sentença se aproximava.
Ela vinha sobre o dorso áspero
da fera – o homem!
A multidão que há poucos dias
o saudava delirantemente
com ramos e cânticos
agora implorava por sua morte.
Ali, sob seus castos pés,
centuriões imperiais
disputavam suas vestes em meio
a estrondantes gargalhadas.
Ele bradava: “Eli, Eli, lame sabactani?”:
“Deus meu, Deus meu, por que me abandonastes?”
As púmbleas nuvens abalaram-se,
as rochas estremeceram…
Jesus deu o último suspiro relembrando
da água transformada em vinho,
do Lázaro ressuscitado,
da fé de Nicodemus,
da ira dos fariseus porque o Mestre
sentou-se à mesa com pecadores, réprobos
e cobradores de impostos.
Ele relembrou das conversações
que teve com os apóstolos,
da Madalena livre do apedrejamento
e perdoada…
Jesus já não se encontra na Cruz.
Ele está defronte da portas do teu empedernido coração,
suplicando para entrar,
sentar à tua mesa e cear contigo
por toda a eternidade.
Poeta Ivo Júnior (Salgueiro – PE)
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