Onde é que eu já vi isto?
José Lisboa
Moreira de Oliveira
Filósofo. Doutor em
teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do
Inst. de Past. Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre
Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília
In Adital
Era o mês de julho do ano de
1963 e eu não tinha ainda completado sete anos de idade. Em Araci (Bahia),
minha cidade natal, celebrava-se uma festa de arromba: o Jubileu de Ouro do
Apostolado da Oração da paróquia. Naquela época Araci era uma cidade pequenina
formada apenas por três praças e menos de uma dezena de ruas. O município, com
população quase toda rural, não passava de alguns milhares de habitantes. A
cidade não tinha pároco e o padre vinha de vez em quando de Serrinha, a
paróquia vizinha, situada a 36 quilômetros de distância. A região estava sendo
assolada por uma seca que já durava quase três anos. Mesmo assim a festa
aconteceu e o povo acorreu numeroso para participar, apesar de todo o
sofrimento.
A abertura da festa se deu
com a chegada do bispo diocesano de Feira de Santana (BA). Era a primeira vez
que eu ia ver um bispo e nem sabia naquela época o que isso significava
exatamente. Como toda criança, corri curioso, ao lado de meu pai, para a Praça
da Matriz para ver a chegada de Sua Excelência. Fiquei impressionado. Uma
figura imponente e vestida solenemente; usava luvas e sapatilhas e carregava
atrás de si uma longa cauda, que era mantida suspensa a certa altura do chão
por alguns caudatários. Entre esses caudatários estava um jovem seminarista,
filho da minha terra e meu parente.
O bispo fez um discurso
inflamado, rebuscado de frases em latim. Todos os presentes aplaudiram o
"bom pregador”, embora quase ninguém tenha entendido nada, especialmente
aquelas frases ditas na "língua da missa” que só o sacristão Zequinha, seu
ajudante Agenário e a professora Dona Marieta – a mulher que tocava o harmônio
da igreja – entendiam um pouco. Depois disso, o bispo deu a bênção do Santíssimo
Sacramento, rebuscada com mais latim, o "Tantum Ergo Sacramentum”. A festa
continuou por uma semana inteira: missas, pregações, confissões, batismos,
casamentos e muito foguetório. Depois o bispo voltou para a sede da diocese, os
missionários foram embora e o povo retornou para as suas casas. A vida voltou
ao normal: luta contra a seca, fome, sede e miséria. "Seja o que Deus
quiser”, repetia conformado o povo dos pobres.
2 comentários:
Santa resignação como bálsamo para o pauperismo mental e social.
Festa é festa. Ópio, do mais puro. A seca é fruto do «pecado»...
È ainda assim; o povo acorre a ver o sr. Bispo, Missas exaustivas e laudatórias, gente aà cunha e o povo sai "cheio" não cansa de se repetir "foi tão bonito"! Talvez que no meio da multidão estivesse Jesus Cristo, de pé, cansado, ou orante - não Lhe deram lugar, passaram-Lhe à frente, ignoraram-nO....O "foi tão bonito" durará até um depois de amanhã, após a 1ª ida ao pão ou ao supermercado da freguesia. E o povo continua vazio, ofuscado pelas cruzes e anéis, pelas vestes douradas que a Cristo nunca serviriam....
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