Comentário à missa domingo
II tempo da Quaresma, 1 de março de 2014
Transfigurar-se significa modificar-se
ou passar por alguns poucos instantes por uma outra pessoa ou figura; significa
passar por uma breve mudança instantânea. Seja essa mudança consciente ou
inconsciente.
Ao tratar-se de seres divinos ou
místicos a transfiguração
é frequente na revelação do divino aos humanos. A ideia comum sobre a questão é
de que durante o dia passamos por muitas mudanças físicas e mentais. Por isso,
em cada minuto não somos a mesma coisa. Nós somos fruto do tempo e das circunstâncias.
O ambiente quotidiano vai fazendo muito daquilo que somos e responsabiliza em muito
as nossas atitudes. Quer dizer, somos fruto do momento. Assim se pode explicar
um pouco o que é a transfiguração.
No texto do Evangelho de São Marcos que
será lido neste próximo domingo nas missas, a transfiguração de Jesus, literariamente,
a narração da transfiguração é uma teofania – quer dizer, uma manifestação de
Deus. Portanto, o autor do relato vai colocar no quadro todos os ingredientes
que, no imaginário judaico, acompanham as manifestações de Deus (e que
encontramos quase sempre presentes nos relatos teofânicos do Antigo
Testamento): o monte, a voz do céu, as aparições, as vestes brilhantes, a nuvem
e mesmo o medo e a perturbação daqueles que presenciam o encontro com o divino.
Isto quer dizer o seguinte: não estamos diante de um relato fotográfico de
acontecimentos, mas de uma catequese (construída de acordo com o imaginário
judaico) destinada a ensinar que Jesus é o Filho amado de Deus, que traz aos
homens um projeto de salvação que vem de Deus, que convida à prática do amor
incondicional.
A humanidade do nosso tempo não está
virada para a transfiguração daquilo que impede a felicidade e a fraternidade,
porque continua dominada pela lógica que este mundo impõe que viola a vida
plena, porque não tem em conta o amor como dom total levado até às últimas
consequências. As preocupações egoístas na base dos interesses pessoais
continuam em força, não importa nada o serviço simples e humilde pelos outros,
especialmente, os débeis, os marginalizados, os infelizes, os sem sorte, sem
lugar e vez no banquete da vida. Importa assegurar para si o poder
interesseiro, o domínio sobre os outros, que alimente o prazer de estar do lado
dos vencedores, porque não importa a vida vivida como um dom, com toda a
simplicidade e humildade, mas uma vida «enorme» a encher a vista, mesmo que
emaranhada no jogo complexo de conquistas, de honras, elogios, palmas, glórias
e sucessos a qualquer preço.
São Paulo, ensina-nos, afinal, que nada
pode estar contra nós, porque Deus é por nós. Mas, o que mais há neste mundo é
medo de Deus. A presença de Deus provoca medo a este mundo, porque os corações
desta geração estão ocupados com coisas desnecessárias em relação à fé, isto é,
em vez de acreditarmos de verdade no Seu amor e na Sua misericórdia, concebemos
um Deus todo-poderoso que castiga e se vinga de nós. Esta visão de Deus é
totalmente destorcida e não tem sentido diante das palavras e gestos amorosos
de Jesus.
Neste sentido, chega de anunciar um Deus
contra o que quer que seja. Vamos proclamar e viver um Deus simples e amigo de
todos. Um Deus que não se compadece com a violência, a maldade, a inveja, a
exploração, a fome e a nudez.
Neste meu singelo
manifesto, quero proclamar um Deus que detesta e vomita, todas as formas de
alienação ou ópio, todos os ritualismos desumanos que ainda subsistem na nossa
Igreja, todos os apelos aos sacrifícios ou promessas, que mais não são
exploração desenfreada dos fracos e dos pobres, todos os caminhos que levam à
luta do poder pelo poder, todas as formas de dominação religiosa sem Evangelho,
todos os caminhos que estão pejados de escárnio, de discriminação e ostracismo
dentro da nossa Igreja e no mundo. Por fim, vamos estar com Deus, para que nada
nos impeça de viver com felicidade, realizando a Sua vontade.
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