É uma orfandade que vem não da tua
proteção misteriosa no céu, mas das lacunas que a terra reduzida a cinzas oferece
desolação, negritude e tristeza.
Os que deviam inspirar-nos confiança no
futuro, semeando sobre a cinza, adubo que ajudasse a fertilidade, continuam
debitando o vazio, o silêncio ensurdecedor e as ideias loucas, porque desnecessárias
perante o estado de coisas que se vive neste momento. O presente é negro, mas o
futuro também não parece vir a encontrar outra tonalidade.
Temos tanto povo triste. Outro tanto
indiferente. E outro tanto mal educado que recusa qualquer mudança no que diz
respeito aos comportamentos. Mas pior que isso é nos vermos entregues a autoridades
que não dizem o que devem dizer e se o dizem, tragicamente, não dizem coisa com
coisa. Esta orfandade dói o corpo e a alma.
Mas que raio de sorte foi esta que nos
coube, que não apareça nem sequer um simples rasgo de pensamento, uma palavra
que se diga certeira, uma opção que nos inspire confiança, que nos faça
acreditar também nas coisas e nas pessoas deste mundo… Fico deveras inerte perante
as cinzas, mas mais pasmado me vejo perante a tão confrangedora escassez de
massa cinzenta nas autoridades que nos coube a má sorte de nos dar nestes
tempos diferentes (porque preocupantes) que vivemos.
Bastava, para nos tranquilizar um pouco,
que alguém dissesse seguramente, alto e bom som, tempos diferentes requerem comportamentos
diferentes, para que tenhamos as consequências adequadas a esses
comportamentos. Mas olha que nada aparece de novo, de diferente e audaz convicção
que nos reanimasse na esperança com os pés bem seguros sobre o chão, mesmo que
ele ainda se nos depare pintado de negro pela cinza.
Por isso, olho para o alto do pedestal
da Senhora do Monte, a Nossa Nobre Padroeira, e rezo confiante, apesar do
estado de alma meio zonzo e tomado de indiscritível desamparo, mas sabendo que
Tu, Senhora do Monte estás aqui neste «círculo imenso», que digo como o diz o
grande Padre António Vieira: «O círculo criado, que cerca o mundo, é o Céu; o
círculo incriado e imenso, que cerca o Céu, é Deus; e o círculo imensíssimo que
cercou a esse Deus imenso, é Maria». (Sermão
de Nossa Senhora do Ó (1640), Pe. António Vieira).
Ou seja, O amparo nesta terra de
orfandade, especialmente, vejo-o em Maria que cercou Deus, que é o círculo que
cerca o mundo, e por isso o seu ventre é tão e ainda mais imenso. Além disso,
como Deus não era circunferência, não podia ser cercado, mas a imensidão do
ventre de Maria é tão grande que conseguiu cercar Deus e com Ele também nos
cercou. Então sempre bastará que encontre forças para viver seguinte: «Comparai-me
o mar com o dilúvio. O mar tem praias, porque tem limite; o dilúvio, porque era
mar sem limite, não tinha praias: (...) Assim a imensidade de Deus — quanto a
comparação o sofre. — Está a imensidade de Deus no mundo e fora do mundo; está
em todo lugar e onde não há lugar; está dentro, sem se encerrar, e está fora,
sem sair, porque sempre está em si mesmo» (Sermão de Nossa Senhora do Ó (1640), Pe. António Vieira).
Ó Senhora do Monte, rogai por
nós… És o que nos resta de seguro.
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