Todas as noites são um suplício e ainda mais
se forem as noites outonais ou as do inverno, que sempre são as piores de
passar no olho da rua. O dia até se passa bem, o movimento faz esquecer esta
condição de sem teto e sempre aparecem almas caridosas que partilham moedas,
pão e comida. Quando isto não acontece vamos lá até às portas das igrejas da
cidade a ver se os fiéis reservaram alguma moedinha para colocar sobre estas
mãos gretadas e sujas. Nem sempre a sorte derrete aqueles corações, mas em
tantos que por ali entram e saem, algum no fim das contas sempre abre o coração
à bolsa. O dia até se passa bem. Há movimento. Há luz. Há pessoas. Há de tudo
um pouco que ainda ninguém conseguiu que quando vêm não fossem para todos.
Pior é sentir que a horas passam e a
noite vem aí implacável de rajada como se precisamos de sofrer ainda mais um
castigo todos os dias por causa da fatalidade do pedaço de vida que o criador
reservou para estes vencidos da vida. Mas, aceitam e esquecem essa tal má
sorte. Não serve para anda andar para aí revoltoso contra um nada que não responde
nem menos se lhe ouvi alguma vez um ai que fosse. Daqueles que desse falam não
creio numa palavra deles, são todos uns mentirosos, desabafa quem não tem nada
a perder, porque já perdeu tudo.
Mas, apesar tudo, sem revoltas e sem
rancores vamos todos os dias e todas as noites fazendo pela vida. A pedra que
nos acolhe sempre está pronta e disponível para receber este corpo mais uma vez
deitado sobre os cartões e os trapos que outro desamparado ainda não se lembrou
de surripiar.
O teto é amplo e o terreiro é enorme.
Uma rua inteira só para três e um céu do tamanho do infinito para cada um, é o
teto do «apartamento» que me permitiram escolher. E reparem, por favor, como este
teto tantas vezes se enfeita com estrelas cintilantes que nas noites frias
permitem algum sorriso.
Enfim, cada dia e cada noite de um sem-abrigo
são uma história sempre nova. Não há rotinas. O dia é uma luta por comida,
alguma roupa e bebida (vinho de pacote, porque custa menos que um litro de
leite). A noite cai vertiginosa e inquietante, porque não sabe se virá chuva,
embora ela se adivinhe nas noites de inverno, frio virá sempre seguramente, a
pedra-cama também não está garantida, pode ser que outro tenha chegado primeiro
e roubado o seu lugar.
Esta é a vida de muitos desafortunados
da vida que as estrelas iluminam carinhosamente, mas tantos com responsabilidade
sobre os demais, passam indiferente como se uma pessoa alguma vez pudesse ser
lixo.
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