Semana Santa 2017
1.
Em todos nós há uma perene idade da inocência, ou porque precisamos de ser
pequeninos para nos aproximarmos dos pequeninos ou porque a esse tempo da
infância sempre regressamos em muitos momentos da nossa vida. Ninguém pode
negar isso, porque como sublinha Milan Kundera, a ternura denuncia a veracidade
do amor. Por isso, no recôndito silêncio das nossas igrejas, das procissões com
andores e velas, o refresco da água benta, a explosão da luz e a força da
Palavra, dizemos: «Jesus Ressuscitou»!
2.
Eis o dia da festa das aleluias. A nossa razão continua limitada, não alcançando
tudo o que cada gesto ritual desvela, vimos e lemos o quanto mergulha na crise
a humanidade e o mundo quando despreza ou menoriza os mistérios e se arroga
dona dos enigmas. Há sempre uma tragédia quando a arrogância autossuficiente
dita o modus vivendi do tempo. Aí o mundo converte-se em cemitério, porque
passou a haver mais mortos do que vivos.
3.
Até ao Iluminismo, a inteligência ofuscava-se com o incenso. Vieram testemunhos
que acenderam a luz perante a natureza e disseram que os seus bens eram reflexo
do Criador, por exemplo, Copérnico e Galileu. Newton
acertou o relógio pelos ponteiros das catedrais. A presença de Deus acercou-se
de tudo o que mexia. Mas a razão veio como centro de toda a existência
reduzindo a religião a superstição. Mas o mistério nunca foi decifrado,
manteve-se e está vivo sempre vivo no meio do mundo e no coração de cada
pessoa. São surpreendentes autores como Voltaire, Baudelaire e Rimbaud,
que se acusaram com sede do Absoluto. Veio depois Dostoiévski
que despojou os religiosos e escancarou-lhes a alma cheia de demónios e
dúvidas. Mas o mais decidido de todos foi Nietzsche que «matou» Deus, concedendo
à humanidade o espírito da liberdade total. Nesse contexto Sartre, proclamou
que o inferno eram os outros e a morte seria um absurdo fatal que desprovia a
vida de sentido. O silencia entre a presença e ausência de Deus manteve-se como
nunca.
4. O jogo do silêncio entre a ausência e a presença de Deus viu
grandes tormentos angustiantes acerca do nome de Jesus. Muitos O acolheram,
mesmo que fosse o um dos enigmas inquietantes: Claudel, Simone Weil, François
Mauriac, Chesterton, Péguy, Graham Greene, Alberto Schweitzer etc. No nosso
país: Fernando Pessoa, Miguel Torga, Sophia de Mello Breyner, Alçada Baptista,
José Saramago (mesmo se dizendo um confesso ateu)… Estes nomes apenas entre
tantos outros que disseram tanto sobre as suas inquietações, dúvidas e
angústias à volta dessa presença e ausência que o nome de Jesus sempre invoca.
5. O epílogo da Semana Santa
é a noite da Vigília Pascal. Por isso, não me seduzem tanto as obras de arte
que retratam a visão de Deus ensanguentado, derrotado e morto. Antes mais
aprecio todas as visões de Deus que O apresentam menos sisudo, mais alegre e
mais descontraído com as coisas deste mundo e do outro.
6.
Muitas vezes medito em títulos extraordinários sobre Deus: «E até Deus se ri»;
«Deus é humor» e «Deus é alegre». Creio, portanto, que tudo desta vida terá
sempre a proteção do infinito humor de Deus, que desatou o riso ao sisudo
Abraão e a Sara amargurada (cf. Génesis 17, 17; 18, 12-15). Aliás, quando no
presente o deserto é grande e não parece haver futuro, só o riso poderá ser
fecundo. Esta foi a conclusão de Sara, a estéril: «Deus fez-me rir e quantos
souberem do motivo do meu riso rirão também» (Génesis 21, 6-7). O Deus
extravagante enche de alegria aquele que cai no desespero e faz quebrar todo o
gelo da solidão.
7.
Por isso apesar de tudo descubro na Igreja figuras exímias na arte da
extravagância e da descontração, lembro apenas dois nomes bem conhecidos de
todos nós, João XXIII e João Paulo I, que souberam quebrar um passado todo ele
marcado de forma voluntária ou involuntária pela rigidez de normas inadequadas
confundidas com a vontade de Deus.
8.
Alguma doutrina da Igreja mais recente dão uma imagem de Deus muito mais aberta
e mais de acordo com a imagem dos evangelhos. Deus é festa e alegria. Por isso,
partilho com todos os que se impressionam com o sofrimento e com a morte de
Jesus os dez mandamentos da alegria: 1. Procura um objectivo para a tua vida;
2. Tens que valorizar o que tens de bom; 3. Aceita as tuas limitações; 4.
Trabalha no que mais te agrada; 5. Vai-te preparando em tarefas agradáveis para
quando fores velho; 6. Mata o ódio interior; 7. Pensa nos outros; 8. Revê os
cálculos das tuas avaliações; 9. Sorri, canta, assobia, faz o que sabes; 10.
Descobre que Deus é alegre (cf. Félix Núñez Uribe, Deus é Humor, pag. 137). Pode-se
rir de tudo? – Penso que sim. Porque como dizia Voltaire, «o riso humano é, na
sua forma primitiva, um cerimonial de salvação». Em todos os casos o riso é
fecundo. E já todos sabemos que «rir é o melhor remédio». Boa Páscoa.
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