Esquema de homilia quarta Missa do Parto dia 18 de Dezembro 2009
São José – Pai extraordinário criou filho igualmente extraordinário
[Ilustração: Mestre de Flémalle, José na sua Oficina (pormenor), 1425-28/Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque]
É uma das figuras mais enigmáticas ligadas à história de Jesus. Dele pouco se sabe, dele pouco se fala, o próprio não é nunca citado dizendo alguma coisa. É uma espécie de personagem passiva, de figurino. Faz de pai, mas diz-se que não é o verdadeiro pai. Quem é este José, o carpinteiro?
“Chamado para esposo de Maria/ E para pai de Deus feito menino,/ Tu protegeste e deste alimento/ Ao próprio Deus.// Patriarca do silêncio e do trabalho/ Escondes na humildade o coração/ Cheio de amor a Cristo e sua mãe/ Em Nazaré.”
(Hino da Liturgia das Horas)
São mais as perguntas que as certezas que, mesmo entre investigadores e especialistas da Bíblia, se formulam a propósito de José, o “pai putativo” de Jesus, como lhe chamou o Papa João Paulo II [exortação Redemptoris Custos (O protector do redentor), sobre a figura e missão de S. José na vida de Cristo]. De José, supõe-se que ele é o que não é, para seguir à risca a definição do dicionário. Mas, de facto, ele é o que foi, acredita a tradição cristã.
Confuso? O biblista francês Charles Perrot, do Insituto Católico de Paris, descreve o quadro da situação antes de sintetizar alguns dos problemas que se colocam aos teólogos: «Maria estava noiva ou já era casada com José. Ora, ela encontrou-se grávida por obra do Espírito Santo, isto é, pela força de Deus, conforme o sentido que habitualmente se dá a esta palavra». (Narrativas da Infância de Jesus, ed. Difusora Bíblica) Ou seja, tal como acredita a tradição cristã, a partir dos relatos evangélicos, Jesus nasceu sem qualquer intervenção de José.
Esta descrição contém já «um paradoxo: Maria é a esposa de José e a criança que ela trás no seio vem de Deus. Isto é uma dificuldade» para demonstrar que Jesus é da linhagem do rei David, como afirmam os relatos evangélicos. Há uma segunda dificuldade, regista Perrot, citando a Bíblia: «José, que era um homem justo e não queria difamá-la [Maria], resolveu deixá-la secretamente».
Tal afirmação bíblica colide com as práticas judaicas conhecida do repúdio no casamento. Situando-se exclusivamente n texto, Perrot verifica que «o casamento de José e Maria fica posto em questão pela presença da criança». E só a adopção legal, a que corresponde a decisão de José, permite converter Jesus em seu filho, «com todos os direitos e pretensões». Se Maria dá a vida a Jesus, é a atitude de José que acaba por fazer de Jesus um ser social, assumindo, mesmo se misteriosamente, a paternidade.José era carpinteiro – uma profissão especializada que, no tempo, equivaleria a uma classe média actual, pelo importante estatuto social que tinha. Nada a ver, portanto, com a descrição do «humilde» carpinteiro com que tantas vezes a hagiografia cristã o descreve. E foi entre essas lides que Jesus cresceu e pela profissão do pai ficou também conhecido. De tal modo que um dia, quando regressa à Nazaré da sua infância, conta o evangelho de Mateus, «ensinava os habitantes na sinagoga deles, de modo que todos se enchiam de assombro e diziam: ‘De onde lhe vem esta sabedoria e o poder de fazer milagres? Não é ele o filho do carpinteiro?’» (13, 54).
Na carta citada, de Agosto de 1989, João Paulo II escreve que «o filho de Maria é também filho de José». Mas os evangelhos «não registam palavra alguma que ele tenha dito». E foi nesse mistério, nessa paternidade escondida e muda, no silêncio de José e no silêncio feito à sua volta, que a espiritualidade cristã construiu a sua figura. Mas «esse silêncio tem uma especial eloquência», regista o anterior Papa. «Graças a tal atitude pode captar-se perfeitamente a verdade contida no juízo que dele nos dá o evangelho: ‘o justo’».
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