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domingo, 13 de março de 2011

A provocação da Quaresma

Os dias mundiais ganharam uma rotina que costumamos dizer que são apenas um álibi para o esquecimento quotidiano do essencial. Para os tempos litúrgicos da Igreja Católica também se poderia dizer o mesmo, são fogachos que servem aos cristãos para se lembrarem de algumas coisas associadas a esses tempos, mas que logo de seguida se evaporam face à normalidade.
Neste domingo, iniciamos na liturgia dos cristãos, a Quaresma. É o tempo da renúncia e da penitência. Hoje, estes elementos têm pouco impacto na vida social e, se quisermos, até na vida dos cristãos. Na bolsa de valores, a cotação destes elementos está pelas ruas da amargura. Até podemos dizer que para a humanidade de hoje o roxo da penitência e da renúncia é preterido por outras cores garridas associadas à alienação do consumo, à preocupação da falta do dinheiro para fazer a tempo a devida prestação às instituições de crédito, à angústia do desemprego permanente, à falta de valores essenciais para que a vida seja uma graça e não uma desgraça, à solidão na velhice, à falta de pão para matar a fome e a tantas outras situações actuais dos homens e mulheres que se encontram no caminho das cores garridas do sofrimento e da morte.
Mas, a cor do roxo também é preterida aos tons berrantes da vontade de poder absoluto unipessoal ou de grupo. É o fascínio pelas cores fortes da ganância e da irresponsabilidade perante os bens deste mundo, que foram destinados a todos e não apenas para alguns.
A provocação da Quaresma está aí, apela à mudança pelo arrependimento e a privação, para que depois as atitudes sejam sensatas, conferindo prioridade ao despojamento. A Quaresma vem lembrar a esta cultura que o acolhimento da morte é um facto central da existência e a experiência desta vida tem como horizonte esse limite. Pensar nele e depois acolhê-lo será benéfico para todos.
Os tempos da globalização e da comunicação rápida trouxeram convicções, crenças cada vez mais fortes, algumas vezes arrogantes, cheias de um convencimento absoluto, irreversível. Este mundo das facilidades da comunicação trouxe a possibilidade do açambarcamento do longínquo e tornou possível o impossível. Esta crença levou as pessoas a uma cegueira perante a hierarquização da vida e esbateu as diferenças culturais. O diferente agora é sinónimo de inferior, desprezível.
Antes da massificação da alfabetização, os poucos que sabiam ler e escrever, estavam no patamar de uma divindade e com isso inferiorizavam os outros, tomando-os de anormais desprezíveis. Este tempo das tecnologias e a comunicação global segue a mesma lógica.
A arrogância cega que a cultura actual e o exercício do poder centrado num pensamento único, numa pessoa, num grupo e numa cor única, defende um desenvolvimento perverso que ao invés de levar ao bem estar social produz um pequeno grupo de muito ricos e uma multidão de pobres. Este modelo de desenvolvimento conduz à destruição do futuro de todos. Porque os recursos da natureza são pura e simplesmente saqueados para encher os bolsos de meia dúzia. Este assalto resulta nos desequilíbrios ecológicos sobejamente conhecidos e fatalmente já experimentados por todo lado. Nós já vimos um pouco… A teimosia em levar adiante um modelo de desenvolvimento injusto, isto é, baseado no roubo e nas dívidas, que só gera mais pobreza, hipoteca o futuro.
Ao pecado da não renúncia e da não penitência, proponho três aspectos. O primeiro é o do respeito e acolhimento da diversidade. Por aqui se deduz que, todas as expressões culturais seriam respeitadas e os povos seriam dignificados. A diversidade de opiniões seria um bem incentivado. O segundo é o do cuidado de todos sobre todos. Este caminho destronaria o «eu» para que o «nós» tomasse lugar no coração de todos e a dimensão comunitária da sociedade seria o maior dos bens. A crise do egoísmo seria mais que evidente. Terceiro aspecto, o bem-comum. Se este valor passar a regular a vida social e se tornar penitência do pecado da gula que absorve o princípio do destino universal dos bens, deixaremos de ouvir falar de pobres, esfomeados, tristes e abandonados.
Se a cor roxa da Quaresma passar a seduzir os homens e a mulheres de hoje, sejam cristãos ou não, a Páscoa será realmente acontecimento de salvação para toda a humanidade.
José Luís Rodrigues, Padre
Texto publicado na edição do Diário de Notícias do Funchal, Secção «Sinais dos Tempos», a 13 de Março de 2011.

2 comentários:

José Ângelo Gonçalves de Paulos disse...

Parabéns P.José Luís pelo seu texto de ontem no DN. Seria bom que todos crentes ou não meditássemos nele e com ele fizéssemos camihada.Mas é dificil abandonar o "fácil" .Só meia dúzia de pessoas é que são coerentes com as suas palavras.

José Luís Rodrigues disse...

Muito obrigado amigo Ângelo. É apenas um humilde contributo para o diálogo entre a Igreja e o mundo. Abraço