Maravilhosa reflexão...
Há muita gente que olha para um deficiente
e não vê mais que a sua limitação cerebral ou motora. Mas o olhar do nosso
coração, esse ultrapassa essa barreira e descobre as excelentes qualidades que
aí jazem escondidas, tantas vezes menosprezadas pelos próprios familiares.
Page era um rapaz com grave deficiência
cerebral desde nascença. Não falava, não ouvia e via apenas e mal por um dos
olhos. Vivia para um mundo estranho, apenas seu.
Após alguns anos de exercícios de recuperação,
conseguiu ler rudimentarmente. Seus irmãos nem sempre o apoiaram com a
compreensão necessária.
Certo dia, Page e os irmãos foram visitar
a avó, de oitenta e tal anos, internada num lar de idosos. Era sem dúvida a
última visita, a visita de adeus, tal o estado debilitado da anciã. À volta da
cama, o grupo familiar disfarçava a emoção e o motivo da visita, dizendo
palavras evasivas.
Inesperadamente, o deficiente abriu
caminho por entre os familiares e aproximou-se da cama da avó, chorando. Tomou
o rosto magrinho da avó entre as mãos e ali ficou longo tempo afagando-o e
molhando-lhe a camisa com as lágrimas, enquanto uma comunicação terna de
gemidos se estabelecia entre a avó e o neto.
Ficaram todos tão emocionados como
surpreendidos. Afinal aquele deficiente compreendera com o coração o motivo
daquela visita. Embora muito limitado, tinha um dom precioso e desconhecido da
família: não tinha capacidade para enganar. Não conseguiu disfarçar. Exprimiu à
sua maneira o que sentia.
O irmão mais velho desejou naquele momento
ser mais parecido com Page.
Saíram do quarto. A avó esboçou com os
lábios um gesto ténue de beijar, dizendo adeus.
O deficiente tinha falado em sua linguagem
intuitiva de amor: tinha dito o que os outros não tinham tido a coragem nem a
capacidade de dizer...
Mário Salgueirinho
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