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sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Fé e economia social

Por uma espiritualidade do dinheiro
Sei que a muita gente este título parecerá uma blasfémia. O nosso Ocidente cristão estabeleceu uma barreira tão impermeável entre o espiritual e o material que tornou obtuso, à partida, qualquer diálogo entre a espiritualidade e a produção e circulação de riqueza. Para não falar já do funcionamento da economia ou das formas diversas do capitalismo. São campos completamente separados. Quanto muito julgaremos legível a formulação do filósofo Jacques Ellul avançada como repto: «é necessário profanar o dinheiro», isto é, restitui-lo à sua função de instrumento material de troca, desinvestindo-o da sacralidade simbólica com que é tratado.
Mas defender “uma espiritualidade do dinheiro” é, certamente, caminhar nesse sentido. A leitura da Bíblia também aqui pode ser instrutiva. O Antigo Testamento, por exemplo, faz uma apreciação fundamentalmente positiva acerca dos bens e da prosperidade. Mas a diferença entre ricos e pobres é sempre vista como um escândalo intolerável. Toda a legislação social que enche o Livro do Deuteronómio não visa promover o remendo da esmola, mas pretende sim (e ousadamente) assegurar os direitos dos pobres. Institucionaliza-se na chamada «Lei da Aliança» um verdadeiro pacto social, que passa por medidas espantosamente concretas como o perdão das dívidas ou uma redistribuição periódica dos bens como meio de travar os cíclicos fenómenos de empobrecimento dos grupos sociais mais frágeis.
Por vezes ouve-se repetir apressadamente a sentença «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus» (Mt 22,21) como certificação de que Jesus virou as costas ao dinheiro. O Evangelho não conta isso. O episódio em casa de Zaqueu, o rico cobrador de impostos, mostra antes como o que acontece é uma mudança de papéis. O dinheiro deixa de ser amontoado e usado em função do próprio para passar a ser reparador de injustiças e antídoto contra a pobreza. Como explica o teólogo Daniel Marguerat, a interpelação de Jesus leva-nos mais longe, pois ele não pergunta apenas, «que fazes tu do teu dinheiro?”, mas coloca-nos perante esta incontornável questão: «o que é que o teu dinheiro fez de ti?».
José Tolentino Mendonça, in SNPC
Imagem: Andrew Brookes/Corbis

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