O
Papa Bento XVI vai renunciar ao Papado no dia 28 Fevereiro às 19 horas. Notícia
que apanhou de surpresa o mundo inteiro ontem pela manhã (11 de Fevereiro de
2013). Um raio caiu sobre o Vaticano e sobre o mundo... Coisa que por sinal ontem aconteceu mesmo, pode ser visto na foto que se publica adiante.
Imediatamente
saltaram para a comunicação social uma série de vozes ligadas à Igreja Católica
e outras nem tanto a proclamar que esta era uma atitude corajosa e não se
pouparam às palavras mais elogiosas para qualificar o gesto.
É
preciso lembrar a toda esta gente que perante o sofrimento terrível e diante do
cruel calvário do Papa João Paulo II para levar em frente «a barca de Pedro»,
não defendiam a sua resignação, antes louvavam a sua capacidade de sofrimento e
o seu altruísmo, mais ainda diziam que um Papa não podia resignar, até cheguei
a ouvir barbaridades como esta «onde já se viu um pai resignar à sua missão de
ser pai». O Papa desta altura era o exemplo do idoso útil e que servia de
modelo ao mundo para considerar os idosos como válidos e produtivos até à hora da
morte. Nunca a doença foi tão redentora e tão elogiada como nessa altura. Os
que ousaram pensar e defender publicamente a resignação de João Paulo II foram
apelidados de ante Papa e quase considerados como hereges. Os mesmos que
defendiam a permanência do anterior Papa, agora com o maior desplante em
sentido contrário louvam e anunciam o gesto de Bento XVI como um ato nobre e
extraordinário. Santa hipocrisia.
Porque
abdica o Papa Bento XVI do lugar para o qual lutou tanto para lá chegar? Para
quem está, felizmente, de fora destes meandros, torna-se mais fácil avaliar e
considerar que o gesto «corajoso» não passa de pura aparência. Então temos um
homem resignado. Porém, leva-nos a deduzir que a melhor palavra para designar o
gesto é esta, derrotado.
Mas,
consideremos ainda que o Papa Bento XVI sai vitorioso na palavra (produziu
imensos livros e documentos). Pode cantar-se vitória quanto ao conservadorismo
(os cardeais eleitos por ele são quase todos da ala conservadora da Igreja e
isso é muito preocupante), a tralha religiosa já há muito tempo que não tinha
tanta simpatia como tem hoje no mundo clerical. Sai vitorioso na restauração
que incentivou em toda a Igreja para que se mantivessem sinais e gestos que vêm
dos tempos antigos, desprezou e nalguns casos atraiçoou o Concílio Vaticano II,
algo muito estranho se sabemos que foi um dos teólogos mais proeminentes deste
Concílio. Tratou os teólogos com bastonadas e muitos mandou silenciar,
proibindo-os de escrever e de ensinar. Os conservadores, os famosos lefebvrianos,
foram tratados com pinças, procurando todas as vias para os compreender
aceitando as suas pretensões incondicionalmente.
Por
isso, estamos perante um Papa derrotado mais do que resignado, a pretexto da
velhice e da doença. Sim derrotado porque foi incapaz de ter mão sobre a cúria
romana, não a reformou e caiu na teia fatal que este poder representa e que ele
é o principal obreiro. Um Papa derrota pelos escândalos da pedofilia, não
incentivou desde o princípio a condenação dos criminosos destes hediondos atos,
só muito tarde é que admitiu esta desgraça que assola a Igreja Católica. Também
foi derrotado pelos escândalos financeiros que envolvem a máquina do Vaticano,
a corrupção, a Vatileaks e as intrigas e os grupos que se digladiam para a
sucessão.
Numa
palavra, vê-se incapaz de ter mão sobre uma Igreja profundamente hierarquizada
perdida no tempo e que deixou há muito de confiar na força do Espírito Santo.
Porque se assim fosse, abdicaria do poder absoluto do Papa, vergava-se aos
princípios da democracia e dava igualdade de direitos e deveres às mulheres. Um
Papa derrotado pela soberba masculinizada e tradicionalista que varre Igreja
Católica, que detesta as mulheres quanto às suas capacidades e criatividade,
que dariam um impulso extraordinário à Igreja de Jesus Cristo, tornando-a mais
de acordo com o Evangelho e com a vontade de Jesus, que não desprezava ninguém.
O que aí vem não augura tempos favoráveis. Dificilmente será eleito um
Papa que não seja da escola do teólogo Ratzinguer. Por isso, ainda assim
remetemo-nos à ação do «vento» chamado Espírito Santo e confiamos e sonhamos
com uma Igreja que seja menos catolicismo e mais cristianismo. Porque só assim
«a barca de Pedro» será capaz de ser um verdadeiro serviço ao mundo e com
resposta pronta a todas as inquietações das mulheres e homens deste tempo com
ousadia e espírito prontamente acolhedor. Uma Igreja Católica obreira da
libertação e não um fardo impeditivo ou castrador da liberdade. Numa frase
apenas, que seja uma criativa proposta de felicidade para humanidade deste
tempo.
3 comentários:
Parabéns Sr. Padre.
Magnífico texto. Excelente análise sobre a vida da Hierarquia da Igreja.
Passei por aqui por mero acaso. Adorei o seu Blogue. Espero poder continuar a segui-lo porque isso me faz aprender. Porque isso faz aumentar a minha Fé num Cristo Redentor, sem as amarras de uma ortodoxia pouco esclarecida, ou que age de má fé - o que não creio - de qualquer forma castradora.
Sou um velho de 70 anos, que viveu com muita expectativa o Concílio Vaticano II, como militante activo da Acção Católica (JOC), que sobreviveu ao estagnar das directrizes, quando não, mesmo, ao seu retrocesso para o Concílio de Trento.
Por tudo isto quero agradecer a Deus ter-me encaminhado para este seu Blogue.
Parabéns. Excelente texto. Magnífica análise. Crítica construtiva.
Agradeço a Deus ter encaminhado meus passos para este Blogue. Sou um quase septuagenário que viveu muito intensamente o desenrolar do Concílio Vaticano II. Era, na altura, militante da Acção Católica (JOC) e as expectativas eram elevadas. Seguiu-se a frustração de continuar a sentir uma Igreja muito idêntica à do Concílio de Trento.
Se me permite vou continuar a passar por aqui. Quer aprender. Quero aprofundar a minha Fé, de forma mais esclarecida. Muito Obrigado.
Obrigado amigo José Caldeira. Venha a este blogue sempre que lhe apetecer e sempre que tenha disponibilidade. É um «Banquete» que está ao serviço do pensamento e como diz de algum esclarecimento sem pretensões. Um abraço fraterno.
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