Qual será o sentido das Cinzas? - Descobrimos uma
série de textos bíblicos que nos sugerem o significado das Cinzas na liturgia
cristã. Ora vejamos: «Abraão continuou: Eu atrevo-me a falar ao meu Senhor, eu
que sou poeira e cinza» (Gen 17, 28). «Jejuaram naquele dia, vestiram-se com
saco, cobriram a cabeça com cinza e rasgaram as suas vestes» (1 Mac 3, 47). «Satanás feriu com chagas malignas desde a planta dos pés ao cume da cabeça.
Então Job apanhou um saco de cerâmica para se coçar e sentou-se no meio da
cinza» (Job 2, 8). «De que se orgulha quem é terra e cinza?» (Ecle 10, 9)…
Cobrir a cabeça com a cinza ou sentar-se sobre a
cinza, é sinal exterior de uma realidade profunda, a realidade da existência
interior: arrependimento dos caminhos da destruição, reconhecer que sou tão
frágil como o pó que desaparece ao mais pequeno sopro e que ainda há muito para
mudar e converter.
Esta prostração e este despojamento, poderão ferir
as mentes menos esclarecidas ou mais ávidas na exaltação da grandeza do homem.
A razão, aparentemente, poderá estar do seu lado, porém, este sentido das
cinzas pretende relembrar que será no reconhecimento da sua pequenez, que o
homem manifesta a sua grandeza e que na sua simplicidade encontra a sua
verdadeira dimensão diante de Deus, da Criação e, sobretudo, diante dos seus
semelhantes.
Deus não quer o sofrimento, a morte e a angústia
humana. Deus quer um homem vivo e feliz em plenitude. Deus consiste no amor.
Não cria homens religiosos, mas cria homens para viverem em plenitude.
Mesmo na pequenez e fragilidade humana, Deus quer
que o homem se afirme infinitamente na construção do amor e da paz para todos.
Não deseja nunca que o homem se negue a si próprio. Não nos quer sofredores e
perdidos, mas que sejamos nós a negar o pecado, o mal, a falta de amor, a falta
de esperança e tudo o que seja egoísmos e ódios. O Deus que se descobre em todo
o tempo, mas particularmente, neste Tempo da Quaresma, é o Deus da acção
afirmativa, da acção sempre positiva sobre e para a humanidade.
Reparemos
no que diz o profeta: «…ó povo de Gomorra: Que me interessa a quantidade dos
teus sacrifícios? - diz Javé. Estou farto dos holocaustos de carneiros e da
gordura de novilhos. Não gosto do sangue de bois, carneiros e cabritos. Quando
vindes à minha presença e pisais os Meus átrios, alguém vos exige alguma coisa?
Deixai de trazer ofertas inúteis. O incenso é coisa nojenta para mim; luas
novas, sábados, assembleias… não suporto injustiça juntamente com solenidade.
Eu detesto as tuas luas novas e solenidades. Para mim torna-se um peso que já
não posso suportar. Quando para mim ergueis as mãos, Eu desvio o Meu olhar;
ainda que multipliqueis as vossas orações, Eu não vos escutarei. As vossas mãos
estão cheias de sangue. Lavai-vos e purificai-vos, tirai da frente dos meus
olhos as maldades que praticais. Deixai de fazer o mal, e aprendei a fazer o
bem…» (Is 1, 10-20).
Perante esta declaração qual será o verdadeiro jejum? - Será este: deixar a injustiça, a mentira, o egoísmo, a ganância, a violência das palavras e dos gestos, a concorrência desleal, a calúnia, a inverdade das coisas como norma de vida pessoal e social, a religiosidade puramente exterior, o fundamentalismo religioso e todas as fezadas infantis, o comodismo interesseiro, o silêncio calculado, a vida centrada no ego sem pensar que somos comunidade, o mal como opção consciente, a recusa do encontro (se quiserem podem continuar a lista)... Podem ser estes ou outros os propósitos de jejum para esta Quaresma e para toda a nossa vida. Tentar não custa e se realizada qualquer coisa nem que seja em pequeno gesto ou sinal pode já fazer uma grande diferença. Tentemos...
1 comentário:
Sr.Pe.José Luis,
Esta reflexão será um "hino" à conversão humana.
Permita-me, discordar de si, "Tentar não custa...", CUSTA, custa muito meu amigo, muito mesmo, custa uma vida de certezas fundamentadas em principios menos válidos.
A pessoa que tenta, e quer mesmo mudar, sente-se perdida desnorteada e diria que "humanamente fica sózinha"...
"...pequeno gesto ou sinal pode já fazer uma grande diferenç. " Disto eu não tenho duvidas.
OBRIGADA, por ter partilhado este texto.
Paulina.
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