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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

As praxes são uma praxis perigosa

Estamos em clima de profundo debate sobre as praxes. Também tenho o meu pensamento sobre este assunto. Parece que a pergunta mais frequente é esta, o problema são as praxes ou são os abusos que as praxes implicam? – Parece bem e a pergunta desde logo suscita a reflexão.
Sempre considerei as praxes um pouco extravagantes. Os que as aplicam sobre os pobres caloiros aproveitam para mostrarem um certo exibicionismo, a sua prepotência e o complexo de superioridade, porque são os mais velhos no percurso académico. Estes que chegam são vítimas, que devem ser humilhados, com o pretexto da integração.
Tudo o que vou presenciando está claramente dentro do abuso e da humilhação. Os defensores das praxes dizem-nos que servem para integrar na comunidade académica e na sociedade. Não posso estar mais de acordo com esta ideia.
Vejamos então. Se considerarmos que vivemos numa sociedade onde dominam alguns fortes sobre uma maioria de fracos, que os humilha e explora quanto podem, obviamente, que as praxes servem precisamente para isso, vejam como é a comunidade escolar académica e depois a sociedade que vos espera, os dominadores somos nós, humilhamos-vos agora para que vocês amanhã sejam dominadores e humilhem também os outros. Detesto esta mentalidade, mas é a predominante na nossa sociedade.
Por isso, os abusos nas praxes não se fazem esperar, até ao ponto de já terem feito sofrer muitos jovens e alguns já passaram pelo crivo da morte. Uma coisa que pretende ser uma brincadeira, um convívio ou uma confraternização, chegar ao ponto de fazer sofrer e matar, não pode mais ser considerado de brincadeira. Há sim humilhações graves nas praxes, há crimes que devem ser punidos. Por exemplo, pessoas a rastejar no chão e chamar-lhes de burros; colocar-lhes orelhas de burro sobre a cabeça; fazer as pessoas se lançar sobre poças de lama; utilizar urina ou excrementos nas pseudo brincadeiras; entre tantos outros elementos que não lembra ao diabo para fazer parte desta coisa terrível que chamam de praxe. Se isto não humilha, então, não sei o que é humilhar…
Tudo com uma lógica terrível que não ensina para o saudável convívio, para a igualdade entre os cidadãos, mas sempre com o pior princípio que rege esta nossa sociedade, quem humilha já foi humilhado, agora contribui para que no futuro estes humilhados encontrem razões para humilhar. Ora, esta rede de má educação resulta da forma como a sociedade convive entre si. A educação está toda voltada para aí, para os dominadores que podem humilhar os mais fracos. E assim parece não ter um fim. Mais grave ainda é que, parecemos legitimar esta mentalidade e se não nos falarem em sofrimento e morte, convivemos bem com isso.
Não sei que medidas devem ser tomadas, mas que face aos abusos, algo terá que ser feito. Não basta a mediatização de seis mortes na Praia do Meco, sabe-se lá em que circunstâncias aconteceram, sabemos isso sim que no contexto das praxes, para que passado algum tempo tudo volte ao normal e só se volte a falar de praxes quando acontecerem mais mortes.
Os argumentos para defender as praxes por vezes redundam em patéticos. Um membro da Associação de Estudantes da Universidade da Madeira considerava que as praxes servem para aferir quais são os alunos que tem mais necessidades económicas. Um lindo argumento. Como será feita esta aferição? Será que lhes aplicam um balde de uma porcaria qualquer sobre a cabeça e logo aferem pelo teor ou intensidade da reacção do humilhado? Será pela intensidade dos berros? Ou ainda pela genica com que rastejam num chão coberto de lama ou excrementos? – Poupem-nos de mais barbaridades…
Perante tudo isto o que parece não haver dúvidas é que as praxes tornaram-se uma praxis perigosa. Muito mal andarão os pais que têm filhos à beira de entrar nas universidades. Vivem com o coração nas mãos com aquela incerteza se não estão a enviar os seus filhos para as garras de outros jovens que não têm mãos a medir nem escrúpulos nenhuns face ao prazer que lhes dá humilhar quem é iniciado numa caminhada. E tais ditas brincadeiras podem levar à morte. Porque resultam em terrorismo que amedronta e com certeza que marca as pessoas para toda a vida.
Será então preciso criar medidas que evitem os abusos e que se responsabilize criminalmente quem enveredar pelo caminho da humilhação. Deve haver coragem firme para que a humilhação deixe de ser uma realidade nos lugares da educação. O futuro de todos nós o exige e precisamos de uma sociedade onde deixa de existir dominadores que humilham até à saciedade os mais fracos. Todos iguais entre iguais, é o que devem ensinar as nossas escolas e as universidades essencialmente.

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