Madeira - o Dia da região
O
antigo bispo de Aveiro, D. António Marcelino, um dia escreveu o seguinte:
«todas as pessoas, homens e mulheres, levam consigo, a tempo inteiro, e sem que
alguém possa interferir nesta sua capacidade, serem capazes tanto do bem como
do mal. O ambiente que nos cerca e os tempos que vivemos nem sempre favorecem a
melhor opção, empurrando-nos para o que muitas vezes nós detestamos. Será
sempre actual a palavra de S. Paulo ao dar conta, desolado, do que lhe ia na
alma: “Ai de mim, que faço o mal que não quero e não faço o bem que quero!”
Quem há aí que não tenha tido, em algum dia ou em muitos dias, esta dolorosa sensação?»
– Pergunta.
Vamos
à autonomia ganha. Ninguém, no seu perfeito juízo, nega a imprescindível obra
em prol das populações da Madeira. Não há como negar a luz eléctrica que
iluminou todos os recantos da ilha e os míseros cantinhos das nossas casas,
permitiu que entrasse a «amiga» televisão, que graças a Deus, rebentou com a
maçadora reza desbobinada e outros mais submissos costumes que o macambúzio e
subjugado povo da Madeira transportava a mando do poder eclesiástico; não há
como negar a chegada da água canalizada que alterou a pia da loiça de madeira
ou pedra para uma pia de alumínio e que converteu as «retretes» em «casas de
banho» e não há como negar a chegada da estrada como se fosse um milagre que
veio permitir o automóvel até ao portal de cada habitação…
Embora
não sendo idoso recordo cada um destes momentos como momentos mágicos,
importantes para nós. Sou ainda do tempo da «retrete», das veredas e da
lamparina da cozinha e da luz tipo um jarro, onde se deitava petróleo para ser
bebido pela torcida que fumegava. Com esse brilho carregado de odor a petróleo,
aprendi as primeiras letras e li muitos livros que vinha buscar à biblioteca
itinerante da Gulbenkian. O pior de tudo ainda era a falta de água canalizada,
para resolver-se esta lacuna essencial, transportávamos água de várias
nascentes. Isso implicava um sacrifício tremendo e sobrecarregava em fardo
muito pesado a vida de toda a gente. O desenvolvimento que a Madeira teve, para
que este estado de coisas terminasse ou a vida ficasse mais suave, com maior
qualidade para uma grande parte de todos nós, merece todo o nosso apoio e
louvor.
Porém,
passado este tempo do saneamento básico, o poder político devia canalizar a sua
atenção para outras realidades e centrar a sua ação na promoção das pessoas.
Esta é a autonomia perdida. O «milagre» chamado Madeira, não passa de abundante
betão e de muitas obras inúteis.
A
«Madeira Nova do povo superior» como eufemisticamente se denominou durante
muito tempo, tem como já vimos uma face muito nobre e interessante para todos
nós, mas tem uma outra que a todos envergonha e preocupa sobremaneira.
Podia
o Dr. Alberto João Jardim ser um Moisés – que me perdoe Deus a invocação do
nome de Moisés - se quisesse, chegar a tão grande altura, se não fora este
emaranhado de falcatruas politiqueiras levadas a cabo com a legitimidade do
voto e com a conivência de uma Igreja que abdicou de ser profética em nome do
vil metal, mandando às urtigas o ensinamento da prática evangélica do Seu
Mestre Jesus Cristo, que quando confrontado com os «poderes» definirá
claramente, «a Deus o que é de Deus e a César o que é de César».
Na
autonomia perdida para muitos falou mais alto o dinheiro para fazer obras, não
importando para quem e para quê. Importa que todos estejam satisfeitos no meio
da abundância. Assim, todos cumpriram o seu papel. O poder mostrava obra feita,
o povo deliciado com o «pão e circo» (especialmente nas inaugurações) e a
Igreja assoberbada com as mordomias do poder político fechou os olhos a tudo,
porque já diz o nosso povo: «quem manda pode» e «quem dá o dinheiro é que
manda». Assim, foi o barco mar adentro exactamente como todos desejavam,
melhor, como os apetites satisfeitos queriam que fosse.
Nesta
interminável viagem deparamo-nos com muita idolatria, muitos ídolos que todo o
poder produz e nunca deixarão de o ser, mesmo que entronizados, cuidadosamente,
em lindos altares ou colocados em mísulas douradas. Traduzem-se na ânsia do
ter, do poder e do gozar sem limites; nas atitudes orgulhosas de quem se julga
o centro do mundo e não reconhece aos outros o seu valor nem o direito a terem
opinião; na insensibilidade perante os mais pobres, fazendo vista grossa a uma
vida enterrada em provocantes supérfluos; no comodismo de em nada querer
participar em relação ao bem da comunidade; na arrogância em desejar que tudo e
todos rodem à sua volta e nunca admitir os erros próprios; na indiferença
empobrecedora perante pessoas e situações que pedem compreensão e ajuda… Esta
face entristece a alma que se inquieta com a injustiça e a insensibilidade dos
poderes perante a dignidade humana.
Não
deseja ter que concluir em 2014 que celebramos o dia da Madeira assim como que
neste contrabalançar em autonomia ganha e autonomia perdida. A este nível os
delírios são enormes e devem ter que ver com os ventos da mudança que o povo
almeja em jubilosa esperança. Que não falte tempo e lucidez para não haver deslumbramentos,
mas sentido e vontade de dedicação à justiça, à igualdade e ao bem comum. A
Madeira precisa deste valores como do pão para a boca.
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