Há muita coisa bonita que não pode ser
descurada em 500 anos de Diocese do Funchal. Há a grandeza da Diocese que foi a
maior do mundo, mesmo que por pouco tempo. Tudo isso está mais que reafirmado. Repare-se:
«Nestes 500 anos quantas histórias maravilhosas de santidade nos iluminam;
quantas obras inflamadas de misericórdia e do génio da caridade: no impulso do
Evangelho fundaram-se hospitais, trataram-se os doentes da peste, socorreu-se a
fome, atendeu-se aos órfãos e aos idosos; quanto serviço silencioso e
apaixonado no campo da educação: criaram-se escolas e dinâmicas pedagógicas,
numa aposta clara na pessoa humana. O Cristianismo, podemos dizer, tem sido
entre nós uma constante sementeira de cultura, cidadania e solidariedade» («Igreja
em Missão», D. António Carrilho, Bispo do Funchal).
Muito importante que se saliente tudo
isto. Faz parte da história da Diocese, é inegável. Todos os diocesanos devem
sentir orgulho nesse passado e fica o exemplo de que a dedicação, a entrega
inteira ao serviço dos outros, surtem frutos de salvação para todos os povos. E
o povo da Madeira, muito provavelmente, teria sido ainda mais infeliz se não
fosse muita da acção da Igreja Católica.
Porém, não devíamos descurar o sofrimento
experimentado por tanta gente ao longo destes 500 anos. Por exemplo, o Sistema
da Colonia que gerou uma plêiade de escravos e de gente submissa aos poderosos
donos da Madeira. Falta fazer um estudo sobre a pregação da Igreja perante esse
sistema desumano que vigorou durante quase estes 500 anos Madeira.
Sobre as revoltas que a Madeira sentiu
em alguns momentos, o apoio da Igreja do Funchal foi quase nulo ou em vários
momentos colocou-se ao lado dos sistemas dominadores contra o povo simples
espezinhado. O Padre Teixeira da Fonte é um exemplo que devia ser falado nestes
dias. Foi ele que encabeçou a conhecida Revolta do Leite em 1936. Uma figura
ímpar do século passado da Madeira. Um homem interessante que soube ler a
vontade do seu povo e que por ele sofre a miséria das prisões da «velha
senhora», isto é, os calaboiços inumanos da ditadura de Salazar. Um padre livre
no pensar e sem dúvida nenhuma quanto às opções a fazer. Não pondera o que
pensará o poder político e religioso. Diante das necessidades do seu povo
coloca-se ao lado dos injustiçados e com eles vai até às últimas consequências.
Dizem os seus familiares que por causa do sofrimento e da injustiça que passou
nunca mais pronunciou o nome Salazar, porque lhe sujava boca.
Hoje fala-se muito no diálogo com a
cultura e ainda bem. Mas notamos que os vários sacerdotes que a essas lides se
dedicaram quase todos na sua maior não tiveram apoio nenhum da Igreja oficial
da Madeira. Alguns até sofreram e muito o crivo da ostracização.
O sofrimento de muito clero foi enorme.
Quantos sacerdotes eram literalmente desterrados e abandonados à sua sorte por
esses montes e vales que a orografia da Madeira acusa? – Quantos foram
desprezados, porque eram diferentes, porque divergiam do pensamento dominante
ou simplesmente tinham tido a má sorte de ter caído no pecado ou então dito uma
palavra que fosse contra os poderes políticos dominantes da Madeira? – É enorme
também o rol de gente que dominava e outra dominada em nome de Deus e da santa
obediência.
No domínio da perseguição há o século
XIX, o período negro da Diocese do Funchal, com a perseguição contra o
Protestantismo. Mais ainda se juntarmos à segunda metade do séc. XX, a perseguição
contra o comunismo e os comunistas que «comem crianças ao pequeno-almoço», para
que esta «pastoral» impusesse a hegemonia política do partido dominante que coloriu
de laranja a Madeira há quase 40 anos.
Há uma outra face da moeda na história
da Diocese do Funchal que é negra, onde sobressai a intolerância, o fundamentalismo,
a corrida atrás do vil metal e uma vontade de domínio hegemónico que bradam aos
céus.
Em todo o caso, alegramo-nos muito com o
passado da Igreja Católica da Madeira, mas até certo ponto, não queremos ser
zarolhos, vendo só que importa ser visto, mas honestamente tomar tudo o que nos
revela o passado de 500 anos. Os momentos bons e os menos bons.
Hoje deviam ser pensados estes «pecados
pastorais», para que no meio da festa se fizesse um tempo de penitência e de
reconhecimento do menos bom desta história de 500 anos, para que aos olhos da
sociedade a Igreja da Madeira se apresentasse virtuosa, mas também com manchas
que a envergonham e a colocam diante de Deus e do seu povo de joelhos para
pedir o perdão. Não há futuro saudável sem que se remedeie o passado menos bom.
A consciência de que fizemos mal é importante para que amanhã atitude seja
outra perante a diversidade e a pluralidade que o nosso mundo hoje apresenta.
Sem comentários:
Enviar um comentário