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quarta-feira, 18 de junho de 2014

O “meu” Francisco

Artigo | Qua, 18/06/2014 - 03:31 | Por LUÍS FILIPE MALHEIRO, in Jornal da Madeira 



Várias vezes tenho escrito que João Paulo II foi o “meu” Papa. Com todos os seus defeitos e virtudes, a verdade é que aquele polaco desconhecido que um dia inesperadamente chegou ao Vaticano, cativando a atenção e o carinho de milhões da minha geração, admiração e respeito que se foram consolidando à medida que o novo Papa começou a viajar pelo mundo indo ao encontro das pessoas, ouvindo-as, falando com elas, dirigindo-lhes a sua mensagem.
Havia, houve certamente, também uma questão geracional, que João Paulo I, no seu curto pontificado de 30 dias de sorriso e de esperança deixou antever. João Paulo II foi muito importante para o nosso tempo e para a Igreja, obviamente sem ter estado isento de críticas, algumas delas facilmente desmontadas porque carregadas de uma carga ideológica que pouco ou nada tem a ver com a Igreja, com a religiosidade das pessoas, com a religião de uma maneira geral. Ninguém é perfeito neste mundo, mas também entendo que ninguém tem autoridade moral para apontar o dedo seja a quem for. Não temos autoridade moral para julgar os outros, sejam eles quem forem. Tal como afirma Francisco, todos cometem erros, a começar por ele próprio. Bem vistas as coisas, quem somos nós para acusarmos – e muitas vezes o fazemos hipocritamente – também sacerdotes, bispos e outras personalidades da Igreja, independentemente das suas responsabilidades acrescidas no contexto da Igreja Católica e do cristianismo no mundo, sem que antes tenhamos a honestidade intelectual de perceber se temos autoridade para o fazer?
(...) A propósito do euro, alguns querem voltar atrás... Destas coisas, não entendo muito. Mas o desemprego é uma palavra-chave. É grave, porque estamos num sistema económico mundial, em que, no centro, está o dinheiro, não a pessoa humana. Num verdadeiro sistema económico, no centro devem estar o homem e a mulher, a pessoa humana. E hoje, no centro, está o dinheiro (...)”. Hoje não tenho dúvidas em afirmar que Francisco é o “meu Papa”, um sentimento que, apesar de alguns não ser o adequado – no pressuposto que para qualquer católico o Papa é sempre o seu Papa – assumo sem complexos e hesitações. Reconheço que sempre tive uma enorme dificuldade em sentir que o seu antecessor, Bento XVI – por muito importante que ele tenha sido, e alguns dizem que foi, como pensador da Igreja (mas não quero discutir isso) tivesse sido o “meu Papa”, ao contrário do que afirmo, sem hesitação, em relação a Francisco e antes a João Paulo II.
A verdade é que este "Papa Chico" revela-se cada dia que passa, um Papa adaptado ao nosso mundo, que percebe os nossos problemas, que tem uma leitura não radicalizada e muito pragmática da Bíblia e dos textos fundamentais do cristianismo: “Sucede que os idosos são considerados um peso, enquanto os jovens não vêem à sua frente perspectivas seguras para a sua vida. E, no entanto, idosos e jovens são a esperança da humanidade: os primeiros trazem a sabedoria da experiência, enquanto os segundos nos abrem ao futuro, impedindo de nos fecharmos em nós mesmos”.
Tenho a certeza de que é um homem que recusa, com convicção, os fundamentalismos desajustados e incompreensíveis, que olha para os jovens, para o sofrimento das crianças e das mulheres, para os idosos, para os pobres, para os mais fracos, como alguém que os defende, que a todos quer defender, no quadro de um cada vez necessário combate à ganância, ao lucro fácil transformado no único objetivo de alguns idiotas que por aí andam. O Papa Francisco nada tem a ver com o primado do dinheiro tão presente na nossa sociedade e em muitas governações (incluindo a portuguesa), tal como não se revê no capitalismo selvagem, nos especuladores, nos mercadores de seres humanos que ganham dinheiro à custa da fragilidade humana e do sonho e do sofrimento de milhões de cidadãos africanos asiáticos, latino-americanos, árabes e mesmo europeus que procuram o sonho de uma vida mas que são colhidos pelos tentáculos desumanos da emigração ilegal e da exploração humana (“O tráfico de seres humanos é uma ferida no corpo da humanidade contemporânea, uma chaga na carne de Cristo. Trata-se de um delito contra a humanidade”).
O "Papa Chico" nada tem a ver com certos políticos bandalhos que temos por aí, que roubam os cidadãos, incluindo os mais pobres, é um declarado adversário da corrupção e do atual modelo económico. Perante um Homem destes, temos que nos curvar humildemente perante ele. Sente-se, ouvindo o "Papa Chico", que há ali algo de diferente, de bom, de novo, de esperançoso, uma forma nova de alguém nos falar, de transmitir-nos uma mensagem, de nos trazer esperança, alguém que temos que apoiar, assumir e proteger como o nosso "Papa Chico". Estou entre esses.

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