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quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Três Lázaros enxotados da porta da Secretaria da Agricultura

O sr. Secretário Regional da Agricultura está mandatado por quem de direito para governar a Madeira no que à agricultura diz respeito, compete-lhe gerir o combate às pragas, cada vez mais abundantes e variadas a devastar as frutas e árvores da nossa terra. Mas não pode combater as pessoas que o incomodam na passagem como se fossem pragas a abater.
Venho aqui manifestar o meu repúdio pela medida drástica tomada pela secretaria Regional da Agricultura, que colocou uma porta tipo tapume de mau gosto como se pode ver na foto aqui estampada neste texto para evitar que possam dormir os habituais Lázaros que ali se aconchegavam e dormiam todas as noites no pátio da entrada da Secretaria.
Nesta entrada da Secretaria da Agricultura dormiam há muito tempo três pessoas, três Lázaros dos nossos tempos que foram escorraçados dali como se fossem lixo. Mas como este tipo de lixo tem um corpo que se move vai aparecer seguramente noutro sítio. Assim, ficam tranquilos os senhores bem vestidos que sobem e descem todos os dias o patamar do pátio da entrada da Secretaria da Agricultura onde ganham o seu ganha pão, para terem em casa todos os dias o que estes pobres Lázaros dos tempos de hoje não têm, porque a vida vou-lhes madrasta e a sorte não passou por eles.
Sr. Secretário da Agricultura estas criaturas que se abrigavam à sua porta têm nome, são pessoas e não bichos para serem despejados ou eliminados como são eliminados bicharocos das pragas que estão a assolar a agricultura da madeira e que os senhores engravatados desta Secretaria estão habituados a lidar. As cabeças que ali entram e saem todos os dias sabiam bem da presença destas três pessoas que se abrigavam ali todas as noites. Provavelmente até sabem que estas pessoas têm uma história de vida dramática, cheia de sofrimento e de desgraças que não se quer para ninguém. São pessoas, que até podia nomear aqui, mas sendo necessário reservar-lhes a privacidade, não o faço. Foram despejados dali sem alternativa, enxotados como se de reles bicharocos nocivos se tratassem. Agora até ver estão no pátio do Banco Santander Tota.
O sr. Secretário antes de fechar radicalmente o pátio da sua porta devia pensar um pouco naquelas três pessoas, devia vir ao seu encontro falar-lhes e garantir-lhes alternativa. É governante, faz parte do governo daqueles cidadãos ou pensa que só existe para os engomadinhos e os bem falantes?
Nada me ensinou mais sobre a cidade do que o livro de Eça de Queirós, «A Cidade E As Serras», onde se aprende o seguinte: «A tranquilidade (bem tão alto que Deus com ele recompensa os Santos) onde está, meu Jacinto? Sumida para sempre, nessa batalha desesperada pelo pão, ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugidia rodela de ouro! Alegria como a haverá na Cidade para esses milhões de seres que tumultuam na arquejante ocupação de ‘desejar’ – e que, nunca fartando o desejo, incessantemente padecem de desilusão, desesperança ou derrota? Os sentimentos mais genuinamente humanos logo na Cidade se desumanizam!» (pág. 77-78).
Mas, continua por ai abaixo a descrever magistralmente todos os malefícios da Cidade, que de entre tantos momentos extraordinários que nos ajudam a perceber como é a cidade no seu pior se nela houver meia dúzia que se auto intitulam «os donos disto tudo». Destaco mais esta ocasião onde diz assim: «Mas o que a Cidade mais deteriora no homem é a Inteligência, porque ou lha arregimenta dentro da banalidade ou lha empurra para a extravagância» (pág. 78). Os governantes muita razão estão a dar a esta constatação.
Porém, face à medida ratex levada a efeito pela nossa Secretaria da Agricultura contra três cidadãos desamparados, lembro-me ainda do Evangelho do pobre Lázaro que diz assim: «Ora, havia um homem rico, e vestia-se de púrpura e de linho finíssimo, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente. Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à porta daquele; e desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas. E aconteceu que o mendigo morreu, e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; e morreu também o rico, e foi sepultado. E no inferno, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão, e Lázaro no seu seio. E, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim, e manda Lázaro, que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nestas chamas. Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em vida, e Lázaro somente os males; e agora este é consolado e tu és atormentado. E, além disso, há um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá passar para cá. E disse ele: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento. Disse-lhe Abraão: Têm Moisés e os profetas; ouçam-nos. E disse ele: Não, pai Abraão; mas, se algum dentre os mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam. Porém, Abraão disse-lhe: Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite» (Lucas 16, 9-31).
Voltando «A Cidade E As Serras» de Eça de Queiroz, ficou dito a determinado momento: «Na cidade [para o homem] findou a sua liberdade moral: cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência: pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar… a Sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimónias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os de um cárcere ou de um quartel…» (pág. 77).
Portanto, sr. Secretário da Agricultura e todos os que o rodeiam, que fique claro, pessoas não são pragas… Pode ainda escudar-se que não é da sua competência? – Muito bem. Faça valer junto dos seus colegas esta urgência em que mergulhou a nossa cidade, onde deambulam noite e dia excluídos sem pão e sem abrigo, que merecem respeito, dignidade e atenção. Por isso, entre nós todos os dias são violados gravemente os direitos humanos e os principais responsáveis por essa violação são os governantes que temos. 

2 comentários:

Maria da Paz disse...

Antes de falar deveria conhecer o outro lado da moeda...
Se trabalhasse no edifico com certeza teria outra opinião!!!
Não teve o "prazer" de conhecer o "aroma" e "outros presentes" que esses pobre Lazaros deixavam!!

José Luís Rodrigues disse...

Mpaz Freitas,
e antes de comentar assim tão agressiva, porque não se informa o quanto tenho conhecimento desta fatalidade e concretamente a desgraça destas três pessoas. Se fossem engomadinhos e alinhadinhos ou bem comportadinhos não estavam na cidade ao relento. E que tal ler o texto com mais atenção para perceber bem qual o alcance destas palavras. Bom trabalho no limpinho em que está a cidade depois desta medida tão excelente.