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sexta-feira, 28 de março de 2014

Achegas para a história de uma Diocese

500 anos da Diocese do Funchal - Conferência
Tema da Conferência: O que se deve saber quanto ao como é possível conceber uma história de uma Diocese no séc. XXI?

Quem é o Professor José Pedro Paiva?
No dia 22 de março realizou o professor José Pedro Paiva uma interessante conferência no Funchal, na sala do Senado da Universidade da Madeira, à Rua dos Ferreiros, que dada a sua oportunidade o Banquete da Palavra a trás a lume para que nos faça pensar e desafie quem de direito deve promove uma História da Diocese do Funchal seguindo estes aspectos para que seja uma história de acordo com a verdade dos factos históricos e ao mesmo tempo anime na Diocese inteira em provocante entusiasmo para o futuro. Achei interessante o professor ter questionado e lançado para a discussão a palavra que acompanha os cartazes para a comemoração dos 500 anos da Diocese do Funchal: «A Primeira Diocese Global», para mim foi interessante este elemento porque já tinha pensado no quanto pode ser anacrónica esta palavra e até já tinha comentado com algumas pessoas.
O professor José Pedro Paiva é, desde 1986, professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde tem lecionado disciplinas de História Moderna de Portugal, Cultura Portuguesa e seminários de pós-graduação sobre a Inquisição. Preparou o seu doutoramento no Instituto Universitário Europeu (Florença), pelo que, desde cedo, tem manifestado preocupações com a História comparada. É investigador do Centro de História da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra, do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa e académico correspondente da Academia Portuguesa da História.
Desde 2005, integrou a comissão científica internacional que coordenou a elaboração do Dizionario Storico dell´Inquisizione (Pisa, 2010) e é o coordenador científico dos Portugaliae Monumenta Misericordiarum (8 vols. editados).
É autor de Práticas e crenças mágicas. O medo e a necessidade dos mágicos na diocese de Coimbra (1650-1740), (Coimbra, 1992), Bruxaria e superstição num país sem caça às bruxas: 1600-1774, (Lisboa, 1997 e 2002), Religious ceremonials and images: power and social meaning (1400-1750), (Coimbra, 2002) e de vários capítulos da História Religiosa de Portugal (Lisboa, 2000). Na Imprensa da Universidade de Coimbra publicou o seu último livro Os bispos de Portugal e do Império (1495-1777) (Coimbra, 2006). Obras editadas na IUC: Baluartes da Fé e da Disciplina; Os Bispos de Portugal e do Império (1495-1777).

A Diocese do Funchal nasceu a 12 Junho de 1514, Leão X, Pro Excelência Proeminência, a pedido de D. Manuel I. Acto de natureza política e não de natureza religiosa.
- A Diocese do Funchal era gigantesca, não sei se lhe chamaria global, é um assunto a discutir..., Mas, era sem dúvida uma Diocese gigantesca, incluía o Arquipélago da Madeira, as Ilhas Atlânticas dos Açores, Cabo Verde, São Tomé, alguns territórios na Costa Ocidental Africana, aquilo que ao tempo se designavam as terras de Vera Cruz, isto é, o Brasil da actualidade, alguns locais que os portugueses já frequentavam na Costa Oriental Africana, muitos territórios no Oriente na Ásia, naquilo que se chamará a Índia Portuguesa um pouco mais tarde. Era, portanto uma Diocese gigantesca, governada por um bispo nomeado mesmo na data em que é criada a Diocese, D. Diogo Pinheiro. Um bispo que nunca veio cá".

Como é que se concebe uma história de uma Diocese?
As histórias de algumas Dioceses, normalmente são feitas por eclesiásticos, são muito institucionais e quase todas elas tenderam a ser muito apologéticas. Eu creio que a historiografia do tempo presente não pode proceder assim. Pergunte-se, quais são então as perspectivas que devemos adoptar ou que gramática analítica, nós devemos ter no nosso espírito quando pretendemos fazer a história de uma Diocese?

-  Seis aspectos que parecem ser decisivos, para podermos compor uma boa história de uma Diocese:
1. Não pode ser uma história apologética, tem que se uma história neutra do ponto de vista do objecto que está analisar. Por exemplo os títulos de algumas histórias de Dioceses que já existem dizem tudo. Por exemplo, só pelo título já chegamos a muitas conclusões, "Faustos Episcopais na Sé de Braga", de Monsenhor José Augusto Ferreira.
2. Não pode ser apenas uma história das Instituições da Igreja. A maior parte das histórias que já existem são a história das instituições eclesiásticas diocesanas. A Diocese é mais do que isso, são apenas as instituições, são os homens que formam as instituições, que governam as instituições, que têm uma fé que deve ser percepcionada, são os leigos que são crentes que têm também uma participação na construção daquilo que é a identidade de uma Diocese.
3. Esta história não pode ser exclusivamente clerical. Uma Diocese, a Igreja não é formada apenas pelos eclesiásticos, ela também contempla os leigos e isso não pode ser esquecido. Exemplo, título da história da Diocese do Algarve do padre João Baptista da Silva, logo no título, nós vemos esta dimensão eclesiástica, "História eclesiástica do Bispado do Algarve" (meados do séc. XIX). É uma história onde não há uma referência a um único leigo, aos fiéis. Isso não existe, como se eles não fizessem parte da história da Diocese.
4. Uma história de uma Diocese não pode ser nem tem que ser uma história confessional. Tem que ser uma história de uma religião, de uma confissão evidentemente.
5. Uma história de uma Diocese não pode ser centrada sobre si própria. Uma Diocese, apesar de ter uma fronteira, não é um espaço fechado sobre si, é um espaço poroso, que recebe coisas de fora, comunica também com o exterior. Fazer uma história de uma Diocese não é um olhar exclusivamente centrado nesse território, é um olhar que tem que estar atento ao território e às trocas no plano religioso e tudo aquilo que tem a ver com a vida da Diocese que aí se passa. Deve procurar essa abertura tendo sempre em consideração também perspectivas comparativas.
A história da Diocese não deve ser fechada sobre si, significa também que o olhar do historiador deve ser um olhar comparativo, se quiser perceber a identidade de uma Diocese e só faz sentido tentar conceber uma história de uma Diocese se partirmos do princípio que a Diocese tem uma identidade. Se ela for igual a qualquer outra coisa não há nada que justifique fazer uma história de uma Diocese. E essa percepção de uma identidade, ganha muito se formos capazes de comparar com outros territórios, com outras Dioceses. Procurar as similitudes, procurar as diferenças, procurar rupturas...
Este é um trabalho muito importante de quem queira fazer uma história de uma Diocese. Quando se fala da identidade de um território e de uma Diocese estamos a considerar uma enorme multiplicidade de factores. Isso implica que se queremos estudar um Diocese na sua plenitude não podemos olhar apenas para alguns desses factores, temos que ter e, sobretudo, se queremos encontrar uma identidade numa Diocese, nós temos que ter uma perspectiva holística do que era ou do que foi a vida religiosa nesse território. Este é outro olhar fundamental do historiador que queira fazer uma história diocesana profunda e ampla. Deve procurar um olhar holístico  sobre toda a dimensão religiosa que se passa  num determinado território.
6. Este ponto é transversal a praticamente todo o olhar do historiador. Uma história de uma Diocese não deve ser feita por temas, mas sim por problemas. O historiador tem que colocar problemas para perceber  a identidade dos territórios, o modo como as suas instituições vão evoluindo,  o modo como os indivíduos interagem com as instituições eclesiásticas, enfim, tem que colocar problemas e não tratar temas.

Qual é a estrutura que deve ter uma história de uma Diocese?
Dimensões estruturantes que devem ser obrigatoriamente analisadas para podermos ter uma visão não eclesiástica, não estritamente institucional, não confessional, etc. Podemos ainda perguntar de outra forma, quais são os territórios que o historiador tem que cartografar para ter uma imagem do que é a configuração da vida de uma Diocese?

Seis planos que são inultrapassáveis
1. Marca toda a vida diocesana. Génese ontológica da identidade da Diocese, do seu território. O conhecimento do seu território, os limites do se território, a sua rede administrativa, a sua rede paroquial, a sua rede de lugares de culto, a sua rede de locais de peregrinação, a rede de casas religiosas... Enfim, em primeiro lugar o território. Porque é nesse território que está mais vivo, mais presente aquilo que identifica um espaço religioso que chamamos Diocese e que a distingue de outra Diocese qualquer.
 2. Normas e regulamentos de enquadramento de vida religiosa, que têm uma dimensão externa, isto é, que transcendem aquilo que é o espaço diocesano. São as normas que são oriundas de Roma, são as normas que vêm da Diocese metropolitana, no caso de Dioceses que não são metrópoles, são as normas internas que fazem parte da vida religiosa daquelas autoridades que governam a Diocese.
3. Os agentes e as instituições eclesiásticas. Em são os agentes eclesiásticos do ponto de vista sociológico, do ponto de vista da sua formação, das suas carreiras, o que é que eles aprendem, o que é que eles estudam... Enfim, aquilo que podíamos designar como a cartografia do clero secular e o regular. As instituições no seu todo. A chancelaria eclesiástica, o funcionamento da mitra, o tribunal eclesiástico e todas as variações que todas as múltiplas instâncias implicam para o devido funcionamento de uma Diocese.
- Estes três aspectos têm uma função estrutural de uma Diocese.
Mas há mais três dinâmicas que são fundamentais.
4. O governo da Diocese. A dimensão conjuntural daqueles que têm a missão de comando da vida da Diocese. O bispo, a cabeça. O seu cabido e outras instituições religiosas existentes no território de uma Diocese, por ex., algumas confrarias importantes, as misericórdias que ao contrario do que se pensa tinham uma componente eclesiástica muito forte...
5. As relações entre os poderes existentes numa Diocese. As lutas, as proximidades, as cooperações, as colaborações... Que não apenas os poderes eclesiásticos, mas também os outros poderes que existiam e existem  no território da Diocese.
6. Os leigos. A experiência do sagrado cristão por parte dos leigos. O modo como conhecem a mensagem cristã, onde chega, como a interpretam, onde moram, as peregrinações que faz, a forma como recebe os sacramentos... Uma série de vivências por parte dos leigos que obviamente não pode ser descuradas, não podem escapar ao olhar do historiador.
É com esta gramática analítica, é cartografando este conjunto de território seguindo estes elementos, que é possível no séc. XXI conceber uma história de uma qualquer Diocese. Eu creio que a Diocese do Funchal que cumpre este ano meio milénio merecia ter também uma história da Diocese.

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