As “Sinestesias” (do grego συναισθησία,
συν- (syn-) "união" ou "junção" e -αισθησία (-esthesia)
"sensação") é a relação de planos sensoriais diferentes: Por
exemplo, o gosto com o cheiro, ou a visão com o tacto). Os diferentes sentidos da poesia e a sua possível
inserção numa mensagem de valores, de modo a que os alunos se apercebam que a
poesia vai além da rima e incorpora mensagens variadas.
1. Dos sentidos
Tomo o título
desta comunicação de uma frase de Honoré de Balsac que diz o seguinte: «O amor
é a poesia dos sentidos. Ou é sublime, ou não existe. Quando existe, existe
para sempre e vai crescendo dia a dia». Nada melhor para me fazer pensar,
porque sinto o silêncio naquela procura constante pelo centro do tudo para o
todo da minha existência. Eis-me aqui a sentir o silêncio:
Sentir o
silêncio
As flores testemunharam um sol
Naquele aperto sentido no vapor
Da visão sublime à porta do ser.
Quando as vozes cantaram a serenidade que vejo
Na delicadeza do toque
Que os amantes vivem no silêncio da noite.
Neste invólucro cósmico
Gritam estrelas e mais não digo do segredo
Que só o inquieto mistério pode guardar mais uma vez
Na certeza da felicidade que a ternura do gesto
desvela. (José Luís Rodrigues)
A poesia – na sua forma própria, ou em
prosa – encerra frequentemente um conteúdo existencialista e filosófico. Há
muita poesia glosando a vida, as suas alegrias, o fado, o destino, o nosso
lugar no universo, a ilusão, o sem sentido da dor ou a crueldade da vida. Os
temas específicos podem variar, mas cantar ou chorar, de forma filosófica, o
sentido da vida faz parte do reportório de dezenas de grandes escritores.
Que é que Cervantes fez, quando
escreveu:
«Abençoado seja o que inventou o sono, a
manta que cobre todos os pensamentos humanos, o alimento que satisfaz a fome, a
bebida que apazigua a sede, o fogo que aquece o frio, o frio que modera o
calor, e, finalmente, a moeda corrente que compra todas as coisas, e a balança
e os pesos que igualizam o pastor e o rei, o ignorante e o sábio.»
Não será isto filosofia existencial ou
ainda mais tanto quanto é a poesia?
O que é que o imperador Adriano fez nas
vésperas da morte, ao escrever o seu epitáfio:
«Pequena alma errante, hóspede e
companheira do corpo, para onde irás tu agora, pálida, rígida e nua, sem
poderes brincar como dantes?»
E como classificar grande parte dos versos
bíblicos do Eclesiastes, por exemplo?
Como classificar versos como:
«Goza
da vida com a mulher que amas, durante todos os dias da fugaz existência que
Deus te concede debaixo do Sol.
Essa é a tua parte de vida, entre os trabalhos a que estás condenado.
Tudo o que a tua mão possa fazer, fá-lo intensamente,
pois na região dos mortos, para onde irás,
não há trabalho nem inteligência, não há ciência nem sabedoria»?
Essa é a tua parte de vida, entre os trabalhos a que estás condenado.
Tudo o que a tua mão possa fazer, fá-lo intensamente,
pois na região dos mortos, para onde irás,
não há trabalho nem inteligência, não há ciência nem sabedoria»?
Estes versos são obviamente filosofia, mas
também são poesia. Eles são poesia existencialista, e filosofia
existencialista. Não são necessários tratados, nem muito menos é necessário a linguagem
ser hermética, para se fazer filosofia e para elaborar a poesia.
E um exemplo maior disso mesmo é Fernando Pessoa. Poemas como a Tabacaria não são apenas exemplos sublimes e maiores do génio poético
do homem. Eles são igualmente exemplos maiores do filosofar existencialista.
Grande parte da poesia de Pessoa é também filosofia.
Oiçamo-lo:
«Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio.»
«Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio.»
Trata-se,
obviamente, de filosofia. Mesmo que ele a rejeite, e diz:
«E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.»
«E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.»
Ou
quando diz:
«Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.»
«Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.»
Pergunte-se: Será que se pode fazer
filosofia, no sentido mais exigente do termo, por via da poesia?
Que dizer, por exemplo, de um poema
sobre o sentido da vida, como o Life de Charlotte Brontë.
Nele, muito simplesmente, canta-se a esperança juvenil, defende-se em verso as
«soalhentas horas da vida», e «agradecidamente, animadamente», pede-se que as
gozemos «enquanto elas vão voando».
Eis que estamos diante do pensamento
filosófico expresso em poesia.
Num campo filosófico como o do sentido
da vida, a poesia e a literatura podem ser formas maiores de filosofar.
Compreender a vida, dar-lhe um sentido ou não, depende fundamentalmente dos
nossos sentimentos, e não tanto da nossa razão.
A profundidade filosófica, neste caso, é
indesligável da beleza, da forma, da arte, e não depende estreitamente do
pensamento abstracto. Associa-se à alegria e à tristeza, à forma como
traduzimos e nos dirigimos à nossa sensibilidade, e acordamos ou evocamos
sentimentos e formas específicas de ver e sentir. A novidade e a profundidade,
neste caso, estão aí - nas formulações capazes de nos emocionar, de tocar a
nossa alma.
Por exemplo neste poema onde tentei olhar e sentir a
cidade…
Cidade
Canto a cidade nos cantos sublimes das
artérias do medo
Como se o dia fosse acabar em cada passo
da gente
Que deambula nas avenidas, ruas, becos,
travessas e rampas
Porque cada momento e cada esquina
escondem o segredo
De nunca chegar a vida que o tempo
engoliu naquela hora.
Fica depois uma sombra de um esbelto
plátano no oásis
Daquela cidade maior onde um dia no
baptismo da história
Te nomearam de liberdade sobre a rocha
firme da calçada.
Agora passeiam-te os povos vindos de
todos os lugares
Sob o olhar atento de quem deseja um dia
saber mais
De todos os lugares mágicos que a vida
nos ofereceu.
Ò cidade da minha memória encantada pelo
ideal fervor
Quero ver-te esbelta, viva ou mesmo
ressuscitada
E nesta hora nasci de novo para o dia
maior
Daqueles passos em volta do rosto
sublime do amor.
E não digas mais que a cidade nunca pode
ser sentida
Como uma vida cheia de esperança no
ideal da felicidade. (José Luís Rodrigues)
Por isso
Fernando Pessoa confirmou: «Ver e ouvir são as únicas coisas nobres que a vida
contém. Os outros sentidos são plebeus e carnais. A única aristocracia é nunca
tocar». Mas, Friedrich Nietzsche, melhor enquadrando a nossa existência, feita para a assunção dos sentidos
sentenciou: «É só dos
sentidos que procede toda a autenticidade, toda a boa consciência, toda a
evidência da verdade». Se formos fieis aos sentidos, descobrimo-nos na verdade
do amor, que é o melhor da vida partilhado na relação com os outros. Todo o
gesto feito com condimento do amor, expressa a autenticidade do que somos e
temos no nosso interior. Para que no fim da caminhada neste mundo possamos
saborear em alegre libertação o que ensina Platão «A velhice é um estado de
repouso e de liberdade no que respeita aos sentidos. Quando a violência das
paixões se relaxa e o seu ardor arrefece, ficamos libertos de uma multidão de
furiosos tiranos».
Dos sentidos, cada um por si, nada pode ser. Mas se
juntos na comum fraternidade do ser, se assim podemos dizer, são manifesto
reflexo da alma e daquele mistério insondável que faz cada pessoa ser o que é
na existência que se contempla, esse eu que partilho de mim para os outros e
que comungo dos outros para mim, sem que nunca deixe de ser pessoal e
intransmissível. Diderot disse-o assim de cada um, para que nenhum se separe do
conjunto que somos, para que a verdade que desejamos partilhar não resulte
adulterada ou traidora da nossa nobre existência pessoal: «De todos os
sentidos, a vista é o mais superficial. O ouvido, o mais orgulhoso. O olfato, o
mais voluptuoso. O gosto, o mais inconstante. E o tato, o mais profundo». Mesmo
assim, correndo esse risco avanço seguro porque «Não me sinto obrigado a
acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de sentidos, razão e intelecto,
pretenda que não os utilizemos» (Galileu Galilei). Por isso, cantemos os cinco
sentidos…
Cinco Sentidos
Cinco sentidos são os cinco dedos
Com que o homem tacteia a escuridão,
Rodeado de sombras e segredos
De que busca, e não acha, a solução.
Mas decerto haverá mundos mais ledos
Onde outros seres, de maior visão,
Rompendo brumas, dissipando medos,
A treva finalmente vencerão.
E sendo sete as cores, e outros tantos
Os sons da escala, mas com mil matizes
Que prolongam seu eco e seus encantos,
Talvez nos seja um dia transmitido,
Por esses mundos fortes e felizes,
Um novo sexto e sétimo sentido! (Alberto de Oliveira, in "Novos Sonetos")
Com que o homem tacteia a escuridão,
Rodeado de sombras e segredos
De que busca, e não acha, a solução.
Mas decerto haverá mundos mais ledos
Onde outros seres, de maior visão,
Rompendo brumas, dissipando medos,
A treva finalmente vencerão.
E sendo sete as cores, e outros tantos
Os sons da escala, mas com mil matizes
Que prolongam seu eco e seus encantos,
Talvez nos seja um dia transmitido,
Por esses mundos fortes e felizes,
Um novo sexto e sétimo sentido! (Alberto de Oliveira, in "Novos Sonetos")
2. Dos Valores
A liberdade do amor não sabe o que é o
medo mais a certeza que «A arte, um
dos grandes valores da vida, deve ensinar aos homens: humildade, tolerância,
sabedoria e magnanimidade», disse William Maugham.
O Victor Cunha Rego dizia com a sua
clarividência extraordinária que as dores, os medos, as espontaneidades, os
amores, os ódios são demasiado tímidos. Pretendo com isto reflectir um pouco
sobre os medos que nos invadem quotidianamente e que, por vezes, podem coarctar
as nossas acções para o bem e para o mal. O grande estadista inglês Winston Churchill dizia: «Todas as grandes coisas são simples.
E muitas podem ser expressas numa só palavra: liberdade; justiça; honra; dever;
piedade; esperança». Estes valores cantam-se poeticamente e vivem-se
convictamente, mesmo que por eles se derrame suor, lágrimas e sangue. «Nem
todos podem tirar um curso superior. Mas todos podem ter respeito, alta escala
de valores e as qualidades de espírito que são a verdadeira riqueza de qualquer
pessoa» disse o autor Alfred Montapert.
O medo é um sentimento terrível. E são
tantos os medos que nós podemos alimentar todos os momentos da vida, mesmo que
à partida confessemos que não temos medo de nada.
Os pais têm medo de perder os seus
filhos, para a droga, para álcool e para a prostituição. Os filhos podem ter
medo de perder o apoio dos pais. Os trabalhadores têm medo de perder o emprego
e faltar-lhes o dinheiro suficiente para gastar no fim de cada mês. Os cidadãos
têm medo de sair à rua porque a insegurança social é muito grande. Ninguém quer
ser roubado, espoliado ou espancado. Quase todos têm medo de serem presos, mas
por isso não deixam de infringir a lei. Há também o medo de se ver nas malhas
da justiça, porque implica ter que lidar com gente pouco honesta.
A doença e a morte também são aspectos
da condição humana que todos querem exorcizar e o medo que provocam é
incalculável, o estado da medicina também não anima nada e o que se houve dizer
dos lugares da saúde, provoca-nos, para além do medo natural da doença, um
terror insuportável.
Outros, talvez não muito poucos, ainda
terão medo de Deus. E quantos não terão medo do diabo e das bruxas. Resumindo,
todos têm medo de alguma coisa, a vida é assim mesmo.
Quanto ao medo de Deus, estamos falados.
Não pode haver medo de alguém que nos acarinha, nos envolve de atenção amorosa.
E ensina S. Ireneu sobre Deus e o homem: "gloria Dei, homo vivens" (a
glória de Deus, é o homem vivo). A lógica de Deus é esta, promover a pessoa
humana para que se salve e viva sem medo de nada deste mundo nem do outro.
Deus não pode ser uma força que nos
massacra e oprime. Deus, que é nosso pai e nossa mãe, concede-nos livremente as
suas graças e a gratidão é a única resposta que, a partir deste facto, pode
fazer sentido. Por isso dirá S. Paulo: "Pois Deus não nos deu um espírito
de medo, mas um espírito de força, de amor e de sobriedade" (2 Tm 1, 7).
Tal como os pagãos dos tempos antigos
que, por medo, lançavam os seus primogénitos para o fogo aos pés da estátua de
Baal, também nós acreditamos que nos devemos sacrificar para ser agradável a
Deus. Incapazes de compreender a grandeza, a beleza e o amor infinito de Deus,
adoramos assim um ídolo criado apenas por cada um. Assim sendo, uma vida
espiritual adulta e vivificante consiste em resistir e em recusar realizar
qualquer prática religiosa cujo fundamento único seja o medo de Deus.
O dom supremo de Deus é o amor. Viver o
amor verdadeiro e habitar num lugar onde se é sujeito na vivência do amor,
conhecemos incondicionalmente a presença de Deus. A condição única de salvação,
é a vida no amor, que não se consegue por simples meios humanos, como o
confirma o apóstolo João: "Quem não amar não pode conhecer Deus, porque
Deus é amor"(1Jo 4, 8).
O amor exorciza o medo e torna-nos
livres diante do nosso ser e diante dos nossos semelhantes. Diante desta base,
o amor é sempre um verdadeiro milagre. É sempre o dom que Deus nos faz de Si
mesmo, é sempre uma experiência divina. Na comunidade de amor que pode ser a
nossa, a presença de Deus é-nos oferecida sem preço algum livremente todos os
dias. Se nos abrimos a esse milagre, podemos partilhá-lo com os outros em sinal
de gratidão.
É que nós gastamos o coração e a
inteligência com lógicas matreiras e maquinações interesseiras que nos perdem e
nos envolvem no esquecimento fatal da perdição. O coração e a inteligência,
segundo a perspectiva de Deus por Jesus Cristo, são para gastar no que é
fundamental, isto é, no que salva e no que nos conduz ao Reino de Deus.
Conclusão:
O amor de Deus é forte como a morte,
dirá o Cântico dos Cânticos e onde não há amor ponha amor, dirá São João da
Cruz. Pois, então, que melhores caminhos podemos delinear para nós próprios
senão estes que nos requerem um bom uso da liberdade, da inteligência, da alma
e do coração.
Não devemos entregar-nos ao amor como se
fosse um negócio com regras e condições, mas como o único modo que nos
identifica com Jesus, o Mestre maior da história do mundo. Por isso, com
Mahatma Gandhi rezamos assim: «Mantenha os seus pensamentos positivos, porque os seus pensamentos tornam-se
as suas palavras. Mantenha as suas palavras positivas, porque as suas palavras
tornam-se as suas atitudes. Mantenha as suas atitudes positivas, porque as suas
atitudes tornam-se os seus hábitos. Mantenha os seus hábitos positivos, porque os
seus hábitos tornam-se os seus valores. Mantenha os seus valores positivos,
porque os seus valores... Tornam-se o seu destino».
Desta forma compreendemos que o amor não
é moeda de troca que requer condições, mas algo que nos envolve por dentro, nos
anima e nos caracteriza totalmente. Só com esta forma de vida podemos descobrir
a presença de Deus, pois Deus é amor, como nos ensina de forma extraordinária o
apóstolo João.
O amor por Deus e pelos outros é um modo
de ser, uma vida e um dom que se acolhe como manancial da bondade de Deus, que
nos torna grandes não aqui no lugar desta vida material, mas lá no lugar do
Reino de Deus. suas
1 comentário:
Bom dia,
Brilhante!
Gosto de poesia como gosto do sol e do ar que respiro ainda que por vezes ela assuma a forma de ondas tempestuosas ou me queime por dentro, viver sem a "poesia" da vida será como morrer e não ressuscitar.
A sua conferencia foi magnifica.
Admiro a sua capacidade de se expressar, de comunicar...
Parabéns.
Paulina
Enviar um comentário