Para quem
não tem tempo por agora para ler na íntegra a mais recente Exortação Apostólica
do Papa Francisco sobre a Família, pode começar por aqui... Um resumo excelente. Atenção leigos ao capítulo IV e atenção sacerdotes ao capítulo VIII. Eis no seu todo o texto que abre muitas portas se permitirmos que o bom senso e a boa vontade sejam luz para ver mais e melhor o Evangelho e, no caso, o ensinamento Papal.
“Amoris Laetitia”.
Caso você seja leigo e queira ler a exortação apostólica do Papa sobre a família, pule os três primeiros
capítulos e comece pelo Capítulo IV. Caso seja sacerdote, teólogo moral
ou fiel divorciado, leia o Capítulo VIII.
A exortação de 263 páginas Amoris
Laetitia (“A Alegria do Amor”) foi lançada nesta sexta-feira,
08-04-2016, no Vaticano.
O artigo é de Thomas Reese, jesuíta, jornalista, publicado por National
Catholic Reporter, 08-04-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O capítulo de abertura é uma reflexão sobre as Escrituras, mas
francamente ele acabou sendo uma coleção de referências sobre os textos
sagrados que, juntas, não ficaram bem.
Não que o capítulo seja ruim; há algumas passagens boas. Por exemplo, é
legal ver uma exegese positiva da descrição de Eva no Gênesis como uma auxiliar
de Adão. Mais adiante no capítulo IV, ele traz a Carta aos Efésios,
onde se pede que “as mulheres [sejam submissas] aos seus maridos”, dizendo que
não se deve assumir “esta roupagem cultural, mas a mensagem revelada que subjaz
ao conjunto da perícope”.
O segundo capítulo analisa a “a situação atual das famílias, para
manter os pés assentes na terra”. Esse capítulo, como o primeiro da encíclica
papal sobre o meio ambiente, reflete a insistência do pontífice de que os fatos
importam.
Penso que ele faz uma descrição realista do estado da vida em família,
porém há algumas surpresas a observar.
Uma característica notória deste capítulo é o seu chamado a uma salutar
autocrítica na Igreja.
“Além disso, muitas vezes apresentamos de tal maneira o matrimônio que o
seu fim unitivo, o convite a crescer no amor e o ideal de ajuda mútua ficaram
ofuscados por uma ênfase quase exclusiva no dever da procriação”, escreve ele.
“Outras vezes, apresentamos um ideal teológico do matrimônio demasiado
abstracto, construído quase artificialmente, distante da situação concreta e
das possibilidades efetivas das famílias tais como são”.
“Também nos custa deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes
respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites e são
capazes de realizar o seu próprio discernimento perante situações onde se
rompem todos os esquemas”, continua ele. “Somos chamados a formar as
consciências, não a pretender substituí-las”.
O capítulo também convida à ação do Estado para a promoção de emprego, de
moradia decente e de uma assistência à saúde, bem como um cuidado com os
migrantes e pessoas com necessidades especiais.
O mais marcante é a condenação dos excessos das “culturas patriarcais”, de
uma “forma de machismo” e da exigência de que devemos admirar “a obra do
Espírito no reconhecimento mais claro da dignidade da mulher e dos seus
direitos”.
O terceiro capítulo recorda “elementos essenciais da doutrina da Igreja sobre o matrimônio e a família”.
Ele começa enfatizando que “o nosso ensinamento sobre o matrimônio e a
família não pode deixar de se inspirar e transfigurar à luz deste anúncio de
amor e ternura, se não quiser tornar-se mera defesa duma doutrina fria e sem
vida”.
Infelizmente, o capítulo cai às vezes em uma doutrina fria e sem vida, com
citações numerosas tiradas de três papas anteriores e do Vaticano II.
Permita-me enfatizar: não estou dizendo que não leia os primeiros três
capítulos. Em vez disso, digo para começar pelo Capítulo IV e voltar aos
três primeiros mais tarde.
O Capítulo IV é uma obra-prima. Ele deveria ser lido por todos
aqueles que planeam se casar e por todos aqueles que já estejam casados,
independentemente de quanto tempo já passou. Tomara que alguma editora venha a
publicar este capítulo em separado para as aulas preparatórias do matrimônio e
aconselhamento, bem como para cursos de ensino médio e superior.
Eu já participei numa discussão sobre este capítulo com um velho jesuíta,
muito sábio, que opinou: “O que sabe ele sobre a vida de casado?” Embora o meu
companheiro jesuíta não tinha lido ainda o capítulo em questão, ele refletiu as
inúmeras pessoas que já se cansaram de ouvir homens celibatários falarem sobre
o assunto da vida de casado.
Portanto, vocês casados, leiam o capítulo e nos digam o que acham dele.
Enquanto isso, aqui eu descrevo o que está contido aí.
O capítulo intitula-se “O Amor no Matrimônio”. Começa com uma
meditação maravilhosa sobre a passagem lírica de São Paulo sobre o amor:
1 Cor 13, 2-3. Ele cita Martin Luther King e refere o filme “A festa de Babette”.
O texto toma o hino de Paulo como uma preparação para discutir o
amor conjugal. “Depois do amor que nos une a Deus, o amor conjugal é a ‘amizade
maior’”, diz ele, citando São Tomás de Aquino.
O tom é pastoral e inspirador; não é irritante nem julgador. Pode-se somente concluir que, como sacerdote e bispo, ele passou inúmeras horas escutando e dialogando com os casais sobre a experiência de vida deles.
O tom é pastoral e inspirador; não é irritante nem julgador. Pode-se somente concluir que, como sacerdote e bispo, ele passou inúmeras horas escutando e dialogando com os casais sobre a experiência de vida deles.
O Capítulo V trata dos filhos na família. Para o Papa Francisco,
esse capítulo e o capítulo anterior são “os dois capítulos centrais,
dedicados ao amor”.
No amor dos pais pelos filhos, Francisco vê “o primado do amor de
Deus que sempre toma a iniciativa”, isso porque os filhos “são amados antes de
ter feito algo para o merecer”.
Ele afirma que “as famílias numerosas são uma alegria para a Igreja”, mas
concorda com João Paulo II em que a paternidade responsável não é
“procriação ilimitada ou falta de consciência acerca daquilo que é necessário
para o crescimento dos filhos, mas é, antes, a faculdade que os cônjuges têm de
usar a sua liberdade inviolável de modo sábio e responsável, tendo em
consideração tanto as realidades sociais e demográficas, como a sua própria
situação e os seus legítimos desejos”.
No capítulo, ele fala da gravidez, e eu aqui deixo para as mães dizerem se
ele acertou ou não, porém claro está que ele quer que a gravidez seja uma
experiência alegre para elas.
O papa afirma a necessidade e o direito de um filho a ter o amor de uma mãe
e um pai. Não somente como indivíduo, mas “juntos que eles ensinam o valor da
reciprocidade, do encontro entre seres diferentes, onde cada um contribui com a
sua própria identidade e sabe também receber do outro”.
Segundo ele, “se, por alguma razão inevitável, falta um dos dois, é importante
procurar alguma maneira de o compensar, para favorecer o adequado
amadurecimento do filho”.
Apesar da ênfase na necessidade dos dois pais, no capítulo seguinte o papa
insiste que “o progenitor que vive com a criança deve encontrar apoio e
conforto nas outras famílias que formam a comunidade cristã, bem como nos
organismos pastorais paroquiais”. Ele observa que “estas famílias são muitas
vezes afligidas pela gravidade dos problemas econômicos, pela incerteza dum
trabalho precário, pela dificuldade de manter os filhos, pela falta duma casa”.
O Papa Francisco insiste na existência de um papel especial para a
mulher na família. Apesar de ser “legítimo, e até desejável, que as mulheres
queiram estudar, trabalhar, desenvolver as suas capacidades e ter objetivos
pessoais”, ele afirma que “não podemos ignorar a necessidade que as crianças
têm da presença materna, especialmente nos primeiros meses de vida”.
Pergunto-me o quanto estas opiniões foram influenciadas pelo fato de que a
sua própria mãe o deixava com a sua avó durante o dia, quando as coisas
ficaram mais difíceis na casa com a chegada de um outro irmão.
“Aprecio o feminismo”, escreve Francisco, “quando [este movimento]
não pretende a uniformidade nem a negação da maternidade”.
“A mãe, que ampara o filho com a sua ternura e compaixão, ajuda a despertar
nele a confiança, a experimentar que o mundo é um lugar bom que o acolhe, e
isto permite desenvolver uma autoestima que favorece a capacidade de intimidade
e a empatia.
Por sua vez, a figura do pai ajuda a perceber os limites da realidade,
caracterizando-se mais pela orientação, pela saída para o mundo mais amplo e
rico de desafios, pelo convite a esforçar-se e lutar. Um pai com uma clara e
feliz identidade masculina, que por sua vez combine no seu trato com a esposa o
carinho e o acolhimento, é tão necessário como os cuidados maternos.
Há funções e tarefas flexíveis, que se adaptam às circunstâncias concretas
de cada família, mas a presença clara e bem definida das duas figuras,
masculina e feminina, cria o âmbito mais adequado para o amadurecimento da
criança”.
Conclui que “o problema nos nossos dias não parece ser tanto a presença
invasora do pai, mas sim a sua ausência, o fato de não estar presente”.
Por outro lado, no Capítulo VIII, ele admite “que o masculino e o
feminino não são qualquer coisa de rígido”.
“O fato de assumir tarefas domésticas ou alguns aspectos da criação dos
filhos não o torna menos masculino nem significa um falimento, uma capitulação
ou uma vergonha”, afirma ele na exortação. Tampouco estes intercâmbios sadios
“não tiram dignidade alguma à figura paterna”.
“A rigidez torna-se um exagero do masculino ou do feminino”, continua o
pontífice, “e não educa as crianças e os jovens para a reciprocidade encarnada
nas condições reais do matrimônio. Tal rigidez, por seu lado, pode impedir o
desenvolvimento das capacidades de cada um, tendo-se chegado ao ponto de
considerar pouco masculino dedicar-se à arte ou à dança e pouco feminino
desempenhar alguma tarefa de chefia”.
O Capítulo VI reflete sobre “alguns dos principais desafios
pastorais”. Ele é endereçado aos bispos, sacerdotes e líderes pastorais. Ele
evita uma especificidade detalhada porque “as diferentes comunidades é que
deverão elaborar propostas mais práticas e eficazes, que tenham em conta tanto
a doutrina da Igreja como as necessidades e desafios locais”.
O papa fala da importância de proclamar o Evangelho da família, preparar os
cônjuges para o matrimônio, formar líderes leigos, apoiar e acompanhar os
casais na continuidade de suas vidas em união e quando passam por crises,
incluindo o rompimento, o divórcio ou a morte.
Válidas de nota são suas palavras sobre os seminaristas, que “deveriam ter
acesso a uma formação interdisciplinar mais ampla sobre namoro e matrimônio,
não se limitando à doutrina”.
“Além disso, a formação nem sempre lhes permite desenvolver o seu mundo
psicoafetivo”, afirma o papa que certa vez foi reitor de um seminário. “É
preciso garantir um amadurecimento, durante a formação, para que os futuros
ministros possuam o equilíbrio psíquico que a sua missão lhes exige”.
Ele também insta a presença de leigos e “particularmente a presença
feminina, na formação sacerdotal”.
O Capítulo VII trata da educação dos filhos, o que os pais deveriam
realizar “de modo consciente, entusiasta, razoável e apropriado”. Ele insta
igualmente vigilância, mas não a obsessão. “O que interessa acima de tudo é
gerar no filho, com muito amor, processos de amadurecimento da sua liberdade,
de preparação, de crescimento integral, de cultivo da autêntica autonomia”.
Ressalta a formação ética e religiosa dos filhos.
Na maior parte, aquilo que ele diz é delicado e tradicional, mas o papa
também levanta questões novas, como a necessidade um desligamento tecnológico.
Ele igualmente ecoa o chamado do Vaticano II por uma “educação
sexual positiva e prudente”. Reconhece que “é difícil pensar na educação sexual
num tempo em que se tende a banalizar e empobrecer a sexualidade”. Argumenta
que “só se poderia entender no contexto duma educação para o amor, para a
doação mútua”. Ele não está feliz com a educação sexual que se centra no “sexo
seguro”.
O Capítulo VIII é o que digo que deveria ser lido por todos os
sacerdotes, teólogos e católicos divorciados, sendo também uma leitura válida
para todo mundo. Provavelmente ele é a melhor discussão sobre a consciência e o
pecado que vi publicada pelo Vaticano. Este capítulo merece um tratamento muito
mais aprofundado do que posso dar aqui.
Ele começa citando os Padres Sinodais que disseram que, embora a ruptura do
vínculo matrimonial “é contra a vontade de Deus”, mesmo assim a Igreja
“dirige-se com amor àqueles que participam na sua vida de modo incompleto,
reconhecendo que a graça de Deus também atua nas suas vidas, dando-lhes a
coragem para fazer o bem, cuidar com amor um do outro e estar ao serviço da
comunidade onde vivem e trabalham”.
Em tais casos, “poderão ser valorizados aqueles sinais de amor que refletem
de algum modo o amor de Deus”.
Ele cita a “lei da gradualidade”, conforme articulada por São João Paulo
II, através da qual todo ser humano “[avança] gradualmente com
a progressiva integração dos dons de Deus e das exigências do seu amor
definitivo e absoluto em toda a vida pessoal e social”.
Ao citar o Sínodo dos Bispos, ele diz haver uma necessidade de “evitar
juízos que não tenham em conta a complexidade das diferentes situações” e que
“é preciso estar atentos ao modo como as pessoas vivem e sofrem por causa da
sua condição”.
Por meio do diálogo e do discernimento, a Igreja ajuda aqueles em situações
irregulares a compreender a “a pedagogia divina da graça nas suas vidas”. Ele
faz observar que as situações desses casais podem ser muito diferentes e não
deveriam ser catalogadas em classificações rígidas.
“Uma coisa é uma segunda união consolidada no tempo, com novos filhos, com
fidelidade comprovada, dedicação generosa, compromisso cristão, consciência da
irregularidade da sua situação e grande dificuldade para voltar atrás sem
sentir, em consciência, que se cairia em novas culpas. A Igreja reconhece a
existência de situações em que ‘o homem e a mulher, por motivos sérios – como,
por exemplo, a educação dos filhos – não se podem separar’.
Há também o caso daqueles que fizeram grandes esforços para salvar o
primeiro matrimônio e sofreram um abandono injusto, ou o caso daqueles que
‘contraíram uma segunda união em vista da educação dos filhos, e, às vezes,
estão subjetivamente certos em consciência de que o precedente matrimónio,
irremediavelmente destruído, nunca tinha sido válido’” (citações de João Paulo
II).
Em seguida estão os divórcios recentes, “ou a situação de alguém que faltou
repetidamente aos seus compromissos familiares”.
Todos estes exigem um discernimento cuidadoso. Não há “receitas simples”,
diz ele citando o Papa Bento XVI. Consequentemente, “é compreensível que
se não devia esperar do Sínodo ou desta Exortação uma nova normativa geral de
tipo canônico, aplicável a todos os casos”.
“É possível apenas um novo encorajamento a um responsável discernimento
pessoal e pastoral dos casos particulares, que deveria reconhecer: uma vez que
[conforme disse o Sínodo] ‘o grau de responsabilidade não é igual em todos os
casos’, as consequências ou efeitos duma norma não devem necessariamente ser sempre
os mesmos”.
De novo, citando o Sínodo, ele concorda que “os batizados que se
divorciaram e voltaram a casar civilmente devem ser mais integrados na
comunidade cristã sob as diferentes formas possíveis, evitando toda a ocasião
de escândalo”.
Os divorciados e recasados deveriam se perguntar, mais uma vez citando os
Padres Sinodais:
“[…] como ele se comportaram com os seus filhos, quando a união conjugal entrou em crise; se houve tentativas de reconciliação; como é a situação do cônjuge abandonado; que consequências têm a nova relação sobre o resto da família e a comunidade dos fiéis; que exemplo oferece ela aos jovens que se devem preparar para o matrimônio”.
“[…] como ele se comportaram com os seus filhos, quando a união conjugal entrou em crise; se houve tentativas de reconciliação; como é a situação do cônjuge abandonado; que consequências têm a nova relação sobre o resto da família e a comunidade dos fiéis; que exemplo oferece ela aos jovens que se devem preparar para o matrimônio”.
Um tal discernimento, segundo os Padres Sinodais, exige “humildade,
privacidade, amor à Igreja e à sua doutrina, na busca sincera da vontade de
Deus e no desejo de chegar a uma resposta mais perfeita à mesma”.
Isso é bem diferente da “ideia de que algum sacerdote pode conceder
rapidamente ‘exceções’, ou de que há pessoas que podem obter privilégios sacramentais
em troca de favores”, escreve Francisco. Ele então apresenta uma seção
sobre as circunstâncias que podem atenuar a responsabilidade moral, a qual
deveria ser considerada em um tal discernimento.
“Já não é possível dizer que todos os que estão numa situação chamada
‘irregular’ vivem em estado de pecado mortal, privados da graça santificante”,
escreve ele.
Ao citar o Catecismo da Igreja Católica, ele nota: “A imputabilidade
e responsabilidade dum ato podem ser diminuídas, e até anuladas, pela ignorância,
a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as afeições desordenadas e
outros fatores psíquicos ou sociais”.
Alhures, observa que o catecismo refere circunstâncias que atenuam a
responsabilidade moral e menciona a “imaturidade afetiva, a força de hábitos
contraídos, o estado de angústia e outros fatores psíquicos ou sociais” que
diminuem ou extenuam a culpabilidade moral.
Francisco concorda com o Sínodo: “mesmo
defendendo uma norma geral a ser seguida, é necessário reconhecer que a
responsabilidade com respeito a determinadas ações ou decisões não é a mesma em
todos os casos”.
O Papa Francisco, porém, vai além do simples uso da consciência para
reconhecer que “uma situação não corresponde objetivamente à proposta geral do
Evangelho”.
Ele diz também que pode reconhecer “com sinceridade e honestidade, aquilo
que, por agora, é a resposta generosa que se pode oferecer a Deus e descobrir
com certa segurança moral que esta é a doação que o próprio Deus está a pedir
no meio da complexidade concreta dos limites, embora não seja ainda plenamente
o ideal objetivo”.
Francisco está dizendo que não é
suficiente apenas considerar se as ações da pessoa correspondem, ou não, a uma
norma ou lei geral. “É verdade que as normas gerais apresentam um bem que nunca
se deve ignorar”, diz ele, “mas, na sua formulação, não podem abarcar
absolutamente todas as situações particulares”.
Assim, para o Papa Francisco “é possível que uma pessoa, no meio
duma situação objetiva de pecado – mas subjetivamente não seja culpável ou não
o seja plenamente –, possa viver em graça de Deus, possa amar e possa também
crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja”.
Em nota de rodapé (351), ele afirma que “em certos casos, poderia haver
também a ajuda dos sacramentos”. Menciona tanto a Confissão como a Eucaristia,
que “não [são] um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um
alimento para os fracos”.
O pontífice entende que alguns querem uma abordagem mais rigorosa, sem
lugar para confusão. “Mas creio sinceramente que Jesus Cristo quer uma Igreja
atenta ao bem que o Espírito derrama no meio da fragilidade: uma Mãe que, ao
mesmo tempo que expressa claramente a sua doutrina objetiva, ‘não renuncia ao
bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada’”.
“Os pastores, que propõem aos fiéis o ideal pleno do Evangelho e a doutrina
da Igreja, devem ajudá-los também a assumir a lógica da compaixão pelas pessoas
frágeis e evitar perseguições ou juízos demasiado duros e impacientes”.
Reconhece que “que a misericórdia não exclui a justiça e a verdade, mas,
antes de tudo, temos de dizer que a misericórdia é a plenitude da justiça e a
manifestação mais luminosa da verdade de Deus”.
O capítulo final é sobre a espiritualidade conjugal e familiar.
Ele insiste que o Senhor habita na família real e concreta, “com todos os
seus sofrimentos, lutas, alegrias e propósitos diários”. Viver uma vida de amor
em tal família é um meio de aprofundamento da união com Deus. “A
espiritualidade encarna-se na comunhão familiar”.
“Aqueles que têm desejos espirituais profundos não devem sentir que a
família os afasta do crescimento na vida do Espírito”, segundo ele, “mas é um
percurso de que o Senhor Se serve para os levar às alturas da união mística”.
Eis um documento papal que vale a pena tirar um tempo ler e ser objeto de
reflexão. Há partes maçantes; há partes que inspiram e deleitam; há partes que
trarão esperança; e há partes que irão enfurecer.
Se esta exortação apostólica trouxer o debate sobre a família feito no
salão sinodal às paróquias e famílias, então ele terá tido sucesso.
In Instituto
Humanitas Unisinos, Sábado, 09 de abril de 2016
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