Exortação Apostólica Amoris Laetitia - Alegria do Amor:
Dois números muito significativos da
Exortação Apostólica Amoris Laetitia (Alegria do Amor), onde é dada a resposta
a quem mantém a teimosia que o documento deixa tudo na mesma nem muito menos
aponta para nenhuma mudança. A meu ver parece-me precisamente o contrário, faz
com que mudemos todos perante a realidade. Quem assim pensa esperava receitas
bem definidas e delimitadas como tem sido hábito. Ou ainda proibições em nome
do Deus das suas cabeças. O Papa Francisco sabiamente não envereda por esse
caminho, inteligentemente coloca o desafio a cada crente, a cada católico, para
que seja autor da mudança. Desengane-se quem considera que tudo ficará na mesma
ou que não há nenhuma intenção de mudança. Leia-se estes dois números que
apresente seguidamente e pense-se um pouco no significado de ter sido um
Cardeal, filho de pais divorciados, a apresentar o documento.
304. É mesquinho deter-se a considerar
apenas se o agir duma pessoa corresponde ou não a uma lei ou norma geral,
porque isto não basta para discernir e assegurar uma plena fidelidade a Deus na
existência concreta dum ser humano. Peço encarecidamente que nos lembremos
sempre de algo que ensina São Tomás de Aquino e aprendamos a assimilá-lo no
discernimento pastoral: «Embora nos princípios gerais tenhamos o carácter
necessário, todavia à medida que se abordam os casos particulares, aumenta a
indeterminação (…). No âmbito da acção, a verdade ou a rectidão prática não são
iguais em todas as aplicações particulares, mas apenas nos princípios gerais;
e, naqueles onde a rectidão é idêntica nas próprias acções, esta não é
igualmente conhecida por todos. (...)
Quanto mais se desce ao particular,
tanto mais aumenta a indeterminação».347 É verdade que as normas gerais
apresentam um bem que nunca se deve ignorar nem transcurar, mas, na sua
formulação, não podem abarcar absolutamente todas as situações particulares. Ao
mesmo tempo é preciso afirmar que, precisamente por esta razão, aquilo que faz
parte dum discernimento prático duma situação particular não pode ser elevado à
categoria de norma. Isto não só geraria uma casuística insuportável, mas também
colocaria em risco os valores que se devem preservar com particular cuidado.348
305. Por isso, um pastor não pode
sentir-se satisfeito apenas aplicando leis morais àqueles que vivem em situações
«irregulares», como se fossem pedras que se atiram contra a vida das pessoas.
É o caso dos corações fechados, que
muitas vezes se escondem até por detrás dos ensinamentos da Igreja « para se
sentar na cátedra de Moisés e julgar, às vezes com superioridade e
superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas ».349
Na mesma linha se pronunciou a Comissão
Teológica Internacional: «A lei natural não pode ser apresentada como um
conjunto já constituído de regras que se impõem a priori ao sujeito moral,
mas é uma fonte de inspiração objectiva para o seu processo, eminentemente
pessoal, de tomada de decisão».350 Por causa dos condicionalismos ou dos
factores atenuantes, é possível que uma pessoa, no meio duma situação objectiva
de pecado – mas subjectivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –,
possa viver em graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de
graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja.351 O discernimento
deve ajudar a encontrar os caminhos possíveis de resposta a Deus e de
crescimento no meio dos limites. Por pensar que tudo seja branco ou preto, às
vezes fechamos o caminho da graça e do crescimento
e desencorajamos percursos de
santificação que dão glória a Deus. Lembremo-nos de que «um pequeno passo, no
meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a
vida externamente correcta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias
dificuldades».352
A pastoral concreta dos ministros e das
comunidades não pode deixar de incorporar esta realidade.
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