1. Os
famigerados cartazes anónimos espalhados em Roma com dizeres como este: «Francisco,
interditaste congregações, afastaste sacerdotes, decapitaste a Ordem de Malta e
os franciscanos da Imaculada, ignoraste cardeais... Mas onde está a tua
misericórdia?», coisa que se suspeita ter vindo de sectores conservadores do
interior do Vaticano. Lembram-se da razão principal que levou à renúncia de
Bento XVI, que se sentia impotente perante as guerras internas, os «corvos» do Vaticano e os negócios obscuros a que não conseguiu pôr termo. Daí que em 2005,
ainda cardeal, dissesse: «tanta sujidade na igreja e entre os que, pelo
sacerdócio, deviam estar entregues ao redentor! quanta soberba!». Assim,
qualquer Papa, pelo que se vai vendo, está sempre rodeado de «corvos e lobos».
2. Face ao exposto, volto afirmar o que
já disse sobre os cartazes contra o Papa Francisco, são até agora a melhor homenagem que os integristas e fundamentalistas
católicos fazem ao Papa Francisco... Ainda bem que se lembraram disto. Assim se
prova que a «luta» contra o racismo e a xenofobia vale a pena e que a «igreja
exclusivista» tem os dias contados. Assim, resta dizer, coragem Papa Francisco,
vencerás e a maioria da Igreja Católica em todo o mundo está contigo. Só me falta
lembrar Mateus 5, 11- 12: «Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa, vos
insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. Alegrai-vos
e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa. Pois assim perseguiram
os profetas antes de vós».
3. Neste mesmo contexto gostaria também
de pensar escrevendo aqui no Banquete alguma reflexão sobre o que fizeram à
«pobre» Irmã Lucía Caram, uma religiosa espanhola que num programa de televisão
se pronunciou sobre a relação de Maria e São José neste teor: «Acredito que Maria estava apaixonada por José. Acredito que eram um casal
normal», disse quando questionada acerca da questão da virgindade de Maria, «um
conto infantil que não é actualizado» nas palavras do apresentador do programa
Chester in Love, do canal Cuatro, Risto Mejide. «Tinham sexo?», pergunta o
anfitrião. «Bem, se digo que sim, caem-me todos em cima. Acho que é uma coisa
normal num casal», defendeu, salientando que sabe que é uma questão «difícil de
entender, de acreditar».
4. O mal
entendido foi tanto que a freira recebeu ameaças de morte, foi repreendida pelo
bispo de Vic e teve de pedir desculpas e esclarecer o que queria dizer. Já na
ocasião da entrevista a religiosa fez notar que podia ser mal entendida, pelo
que evitou falar abertamente sobre a Virgindade de Maria, a Mãe de
Jesus. Sofreu toda a sorte de insultos nas redes sociais do mundo,
especialmente na Espanha, onde circula uma petição para que ela seja afastada
da sua ordem. A manchete de um site conservador espanhol evoca os tempos de
péssima memória da inquisição: «A dominicana Lucía Caram blasfema contra a
Virgem Maria». O assunto mereceu uma reportagem do jornal britânico The Guardian.
5. Simpatizei com esta irmã. E daqui
expresso a minha solidariedade. Merece respeito pela coragem e pela visão
lúcida e desempoeirada que manifestou. Maria quanto mais humanada mais virgem e
mais pura ainda. As ameaças terríveis que fizeram contra a irmã são do pior que
tenho visto nos últimos anos dentro da Igreja Católica. Não pode de forma
nenhuma quem tem fé em Maria, a senhora da paz e do amor incondicional por
Jesus, chegar ao ponto de ameaçar de morte quem pensa diferente, quem apresenta
uma visão sobre a virgindade de Maria mais de acordo com a sua humanidade. Daqui
proclamo, brava irmã e continue firme com as suas convicções. Jesus veio para
confundir os fortes, defendendo os fracos, a verdade, a humanidade e o amor.
Nós, seus discípulos, também devemos fazer o mesmo, se a verdade que anunciamos
confunde, então, estamos no caminho de Deus.
6. Este episódio, está inserido no contexto da avalanche moralizadora dos
últimos tempos, que tem como um de seus pontos culminantes a eleição de Donald
Trump nos Estados Unidos com o discurso do fechamento e de «primeiro a América»
e a «supremacia cristã». Um discurso que agrada sobremaneira os interesses da
ala conservadora ortodoxa da Igreja Católica, acicatada com as posições
reformistas do Papa Francisco. A perseguição contra a Irmã Lucía e contra o
Papa advêm desse folgo entusiasmado desses que imploram misericórdia, porque os
seus interesses egoístas estão a ser beliscados.
7. A irmã Caram mexeu num canto empoeirado e escuro da Igreja Católica e
do cristianismo conservador, ela foi sal, causou incómodo a ponto de sofrer reacções
como as ameaças de morte. O dogma da «virgindade eterna» de Maria, mãe de
Jesus, é insustentável à luz dos Evangelhos, porque pouco falam nisso e a sua
construção ao longo da história da Igreja tem pouco de teológica e muito de
ideológica. Mais ainda se considerarmos que as pessoas cresceram e que não são
estúpidas. Todos estes que se sentem ofendidos e «confundidos» como gostam de
contra atacar não param para pensar, não reflectem, não lêem a realidade, não
escutam o pulsar e pensar dos tempos de hoje e atacam só porque sim.
8. Os Evangelhos não
demonstram ser essencial a virgindade ou a «pureza» de Maria. Maria é
bem-aventurada porque escutou a palavra de Deus e a viveu intensamente. O
próprio Jesus atesta essa realidade. Jesus está sempre contra a marginalização
da mulher, contra o paternalismo, afirmando constantemente a paternidade e
maternidade Deus. A virgindade ou pureza de Maria está mais que assegurada
quanto à grandeza e nobreza daquilo que Deus faz perpassar por Ela, a geração
do Seu Filho, o Salvador da Humanidade. Por isso, a virgindade ou pureza de
Maria, não deve ser assim uma questão que sendo contestada nos tire do sério e
nos faça perder a cabeça. Por fim, tudo isto, tristemente, revela, que uma boa
porção da Igreja Católica vive obcecada pelo sexo, ou porque existe ou porque
não existe. É preciso purificar a alma e começar a gastar o tempo e as energias
com o essencial da fé, que deve ser sempre e para sempre, a Pessoa de Jesus
Cristo, Deus Pai e Mãe e a acção do Espírito Santo, que está em tudo e em todos.
Os ventos de Deus são imparáveis e nunca podem ser segurados por nenhuma mão.
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