Texto
exclusivo para os leitores do Banquete da Palavra de Filipa Fernandes,
técnica de Turismo/ Guia Intérprete.
Desde que me lembro de ser gente, sempre falei com Deus, sobretudo quando
lhe pedia para trazer o meu pai para casa em segurança, isto quando ele
tinha de ficar a trabalhar até mais tarde. E pedia a Deus assim:
- “Deus, vou contar até
10… e o meu pai tem de chegar.” Contava, ao início, mais rápido, e depois mais devagar…
e nada acontecia. Então, voltava a falar com Deus:
- “Vou contar outra vez
e agora tem de ser!” E, então, contava novamente até 10 mas lentamente. Já não tão
rápido como da primeira vez, que era para desta vez ter mais tempo… e contava
mais dez, e mais 10, até adormecer. Mas durante a noite – e com a desculpa de
um sonho mau – levantava-me e corria até ao quarto dos meus pais a ver se ele já
lá estava, e se estivesse, então, podia voltar a dormir e agradecia a Deus.
- “Obrigado meu Deus,
por teres trazido o meu pai para casa!”, dizia.
Sempre tratei Deus por “Tu”,
acho que não se importa!?…
Há uns anos, numa
altura de grandes provações na minha vida, de grande ansiedade, daquela maldita
ansiedade que não nos deixa dormir à noite, que nos tira a vontade de comer e
quase de viver, passei ainda a conversar mais com Deus e ele comigo. Sim! Porque
Deus fala connosco através de pequenos sinais do dia-a-dia, como aquela vontade
de fazer alguma coisa ou ir a algum sitio, que nos aparece do nada!…
(…)
Estava sentado e quando
lhe dei os “bons dias” vislumbrei o mais belo olhar, não só porque os seus
olhos eram azuis, mas porque os mesmos sorriam e era um olhar amável, que transformou
o resto do meu dia.
Durante cerca de 3
meses, encontrei-o todos os sábados, à mesma hora e no mesmo local, na entrada
da Sé Catedral, com as suas roupas velhinhas, gastas e sujas, aquele olhar que
sorria e o diálogo entre nós era sempre o mesmo: “Deus a abençoe” – dizia ele,
e eu respondia com um sorriso – e dizia “a si também”.
Intrigava-me de certa
forma que uma pessoa com uma vida tão difícil, pudesse ter um olhar tão amável.
Pessoas em circunstâncias iguais têm um olhar “vazio”, algo “cínico” até, e pensava:
aprendeu a sofrer!?
Foi a lição que apreendi
nos vários sábados em que o encontrava. É preciso aprender a sofrer, é preciso
aprender a carregar a “nossa” cruz e a partilhar com os outros – nem que seja um
sorriso – que têm o poder de mudar o nosso dia. É preciso aprender a deixar nas
mãos de Deus o que não conseguimos mudar e, acredito, que cada um de nós
carrega a cruz que consegue suportar!
Acredito em Deus e tenho muita fé. Creio, sobretudo,
que nada acontece por acaso e que as coisas más que nos acontecem não duram
para sempre.
Hoje em dia, não peço nada a Deus, agradeço simplesmente.
Que Deus vos abençoe!
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