O
Victor Cunha Rego dizia com a sua clarividência extraordinária que as dores, os
medos, as espontaneidades, os amores, os ódios são demasiado tímidos. Pretendo
com isto reflectir um pouco sobre os medos que nos invadem quotidianamente e
que, por vezes, podem coarctar as nossas acções para o bem e para o mal.
O medo é um sentimento terrível. E são tantos os
medos que nós podemos alimentar todos os momentos da vida, mesmo que à partida
confessemos que não temos medo de nada.
Os pais têm medo de perder os seus filhos, para a
droga, para álcool e para a prostituição. Os filhos podem ter medo de perder o
apoio dos pais. Os trabalhadores têm medo de perder o emprego e faltar-lhes o
dinheiro suficiente para gastar no fim de cada mês. Os cidadãos têm medo de
sair à rua porque a insegurança social é muito grande. Ninguém quer ser
roubado, espoliado ou espancado. Quase todos têm medo de serem presos, mas por
isso não deixam de infringir a lei. Há também o medo de se ver nas malhas da
justiça, porque implica ter que lidar com gente pouco honesta.
A doença e a morte também são aspectos da condição
humana que todos querem exorcizar e o medo que provocam é incalculável, o
estado da medicina também não anima nada e o que se houve dizer dos lugares da
saúde, provoca-nos, para além do medo natural da doença, um terror
insuportável.
Outros, talvez não muito poucos, ainda terão medo de
Deus. E quantos não terão medo do diabo e das bruxas. Resumindo, todos têm medo
de alguma coisa, a vida é assim mesmo.
Quanto ao medo de Deus, estamos falados. Não pode
haver medo de alguém que nos acarinha, nos envolve de atenção amorosa. E ensina
S. Ireneu sobre Deus e o homem: "gloria Dei, homo vivens" (a glória
de Deus, é o homem vivo). A lógica de Deus é esta, promover a pessoa humana
para que se salve e viva sem medo de nada deste mundo nem do outro.
Deus não pode ser uma força que nos massacra e
oprime. Deus, que é nosso pai e nossa mãe, concede-nos livremente as suas
graças e a gratidão é a única resposta que, a partir deste facto, pode fazer
sentido. Por isso dirá S. Paulo: "Pois Deus não nos deu um espírito de
medo, mas um espírito de força, de amor e de sobriedade" (2 Tm 1, 7).
Não podem coexistir a saudável visão de Deus com
alguns sentimentos que mais não são senão um fardo que oprimem e matam a
liberdade da pessoa humana. Deus não se cria nem se deixa criar por ninguém.
Movidos pelo medo, renunciamos àquilo que Deus nos concedeu, à realidade mais
profunda, à faculdade de sentir e amar, a fim de se ser aceite por aquele Deus
que criamos ou pensamos existir vergado às nossas categorias mentais.
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