Boa já não gasto
dinheiro e vou esperar que passe na televisão…
Além de ser a
expressão cinematográfica genuína da vida tal como se vivia nos bairros
populares da Lisboa da altura, ela mesma então ainda uma enorme aldeia, e de
uma identidade e um modo de ser simultaneamente alfacinha e nacional, “O Pátio
das Cantigas” de 1942 é joalharia de comédia, ou não tivesse sido criado por
três talentos superiores, qualquer que fosse o meio em que trabalhassem, do
teatro ao cinema, da rádio à televisão, e que se moviam sem esforço entre a
cultura popular e a cultura erudita, entre a rua e os salões artísticos.
O filme cintila
de diálogos, trocadilhos e segundos sentidos espirituosos e hilariantes, de
achados cómicos, de partes gagas irresistíveis e de momentos visuais inspirados,
está povoado por primeiras figuras de génio (António Silva, Vasco Santana,
Ribeirinho, etc.), por actores secundários e por “característicos”
inesquecíveis, personificando figuras que existiam mesmo ali ao virar da
esquina, e exibe uma homogeneidade narrativa intocável, de fazer inveja a muito
filme português de hoje.
Já “O Pátio das Cantigas” versão 2015 é
um calhau de comédia, pesado de graçolas chineleiras, de bocas
“tás-a-ver-ó-meu?”, de humor de tasca, de situações apalhaçadas, de palha de riso,
de glosas menores do filme original, sem uma ideia cómica, um rasgo visual, um
“gag” que fique de recordação, uma piada que perdure nos ouvidos e seja citável
para a posteridade. Interpretado por uma mistura de bons e respeitáveis actores
metidos em bonecos toscos (Miguel Guilherme a fazer uma imitação de uma
caricatura de António Silva, Anabela Moreira na irmã pãozinho-sem-sal da
estridente Amália, Manuel Cavaco sem nada para fazer), de carinhas larocas das
telenovelas, de engraçados televisivos e de contadores de anedotas
profissionais, o filme tem ar de televisão maquilhada para se assemelhar a
cinema. E ainda acaba por se desfazer num final mal atamancado, em que
tudo é resolvido a trouxe-mouxe, e rematado com um número de musical de
Bollywood, não se percebendo se é por ser moda, se é para fazer profissão de fé
multicultural, ou se foi mesmo “dessincronização”.
Eurico de Barros, in Observador. Para quem desejar ler o texto na íntegra, pode ir AQUI
Sem comentários:
Enviar um comentário