Comensal divino
1. Andava meio
mundo descansado a comprar farinha e fermento para as malassadas, os jovens a
contorcer-se no samba pelos salões e garagens em ensaios para os desfiles de carnaval,
que nos próximos dias irão colorir e encher de carne desnudada as ruas das
nossas cidades e vilas por esse país fora. É neste ambiente que surge do
cardeal de Lisboa, Manuel Clemente (digo de Lisboa apenas e só e não o
«responsável máximo da Igreja Portuguesa», como andam muitos a dizerem erroneamente. É Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, que é um órgão meramente consultivo e de reflexão, não tem a função de gerir nada. Este antístite é "responsável máximo" por si mesmo e pela Diocese de Lisboa,
ponto). Numa «nota para a receção do capítulo VIII da exortação apostólica ‘Amoris
Laetitia’», considera o bispo de Lisboa no ponto nº 5, alínea d) «Quando a
validade se confirma, não deixar de propor a vida em continência na nova
situação». A frase caiu como uma bomba, que rebentou ontem de manhã na
comunicação social e durante o dia incendiou as redes sociais.
2. O cardeal com
esta frase totalmente descabida, desnecessária e profundamente infeliz provocou
uma onda geral de indignação, antecipou o carnaval, semeou a chacota da Igreja
Católica e remexeu o veneno terrível das injustas generalizações. Não podia ser
de outro jeito, porque a sua posição é um retrocesso e uma recomendação errada
que viola a dignidade humana e a liberdade dos casais, estejam em que situação
for. Nenhum clérigo tem nada com isso, deve respeitar a liberdade e vontade
própria de cada pessoa. D. Clemente mais uma vez considera a sexualidade não
como um bem, mas, quando exercida fora das regras que foram convencionadas por
pretensos celibatários, é um pecado ou algo diabólico que precisa de rectificação
religiosa para ser válida e querida por Deus. Nada mais retrógrado e absurdo. A
frase ainda choca mais se nos lembrarmos da doutrina da misericórdia, os apelos
ao acolhimento e a pastoral da inclusão para os recasados defendido pelo Papa
Francisco.
3. O bispo
Manuel Clemente é um homem da história, disciplina que nunca devia ter
abandonado, porque até tinha algum jeito para isso. Porém, aconteceu-lhe o que
acontece a muitos na Igreja Católica, quando caem em graça, tornam-se «menino
bonito e sabichão», por isso, servem para tudo, mesmo que tantas vezes se
revelem com uma carga de incompetência confrangedora. Relativamente a D.
Clemente, por causa dessa lógica amiguista, provavelmente, perdeu-se nas
calendas da história um bom professor para termos pastor menor. Algumas vezes
compromete a Igreja toda ou pelo silêncio estudado ou por pronunciamentos deste
género totalmente descabidos, que descredibilizam toda a Igreja e metem no
mesmo saco toda gente.
4. Já vai sendo
tempo de os hierarcas não se meterem onde não são chamados, muito menos mexer
no que está quieto. A teimosia de que os hierarcas da Igreja Católica sabem
tudo e de tudo, cai neste ridículo diante de uma sociedade informada, liberal
no domínio da sexualidade e em todas as questões sobre a vida. Daí que não
colem estes anacronismos, ainda mais são patéticos perante uma sociedade
esclarecida e com tanta gente especializada nas questões sobre a vida e a sexualidade.
Porque deve falar sobre um assunto quem não tem experiência nenhuma sobre a matéria,
renunciou à família e aceitou a missão que implica viver na solidão? - Nem vou
pelo lado dos escândalos que têm assolado a Igreja inteira e que a
desautorizaram por completo neste domínio da sexualidade. A famosa diplomacia
de D. Clemente desta vez espatifou-se…
5. Face ao escândalo e
indignação que se vive mais uma vez por causa de disparates sobre a sexualidade
ou mais concretamente a vida dos casais em qualquer circunstância, proponho o
seguinte: a) calem-se os hierarcas moralistas encartados de uma vez para sempre
de falarem sobre o que não percebem e do que não vivem; b) Paremos de uma vez
por todas de impor fardos pesados no âmbito da sexualidade sobre os outros,
porque começa a levantar a suspeita de que estão invejosos; c) Vamos
purificar-nos desta obsessão doentia pelo sexo e deixar em paz a intimidade dos
casais; d) Deixemos de considerar as pessoas em geral como se fossem infantis e
de que precisam de umas dicas para não caírem em pecado; e) Deve calar-se para
sempre quem não é capaz de compreender a vida de hoje cheia de contornos
multifacetados e que não vai ser capaz de assumir uma linguagem sempre nova que
as mais variadas possibilidades da vida actual apresenta todos os dias; f)
Enfim, é preciso deixar quieto o que não nos diz respeito e aceitar as opções
de cada pessoa que pretenda refazer e assumir novas opções quantas vezes
entender desde que não fira a dignidade de ninguém, mas persegue a felicidade.
5 comentários:
Na postagem abaixo tinha percebido que "O Deus de Jesus não está nada aí para a marginalização e faz a denúncia clara contra todas as formas de opressão nas famílias, na política e na religião. A sua lógica é a fraternidade.", então porquê 3 dos 5 pontos são contra uma pessoa?
Quanto ao assunto também me parece que não se deve reduzir à sexualidade, o problema do adultério não é apenas sexual, é mais do que isso.
Para compreender o ponto de vista do sr.padre, parece-me que a sua ideia será considerar aquela família como é, com todas as suas dimensões, e a partir daí aproximá-la da comunidade possibilitando aceder aos Sacramentos, continuando eles a ser um casal. É assim?
É bom termos propostas mas para a alinea f) dá a entender que o melhor será permitir o divórcio?
Nada é contra ninguém. Mas contra uma postura ou posição sobre uma determinada matéria, que penso não ter necessidade de referir-la outra vez aqui, que implica muito com a vida dos outros... Por isso comentei, senão pouco ou nada me importava com o caso, não me diz respeito.
Obrigado sr.padre por clarificar, é sempre possível seguir a lógica da fraternidade e de acolher o que pensa de forma diferente. É esse até o grande exemplo de Deus que ama tanto os que pensam de forma diferente d'Ele e ama tanto os que lhe são indiferentes que enviou o Seu Filho para que se convertam e encontrem o caminho até Ele.
É esta uma situação complicada que afecta quer a vida quer a vida eterna das pessoas, a verdadeira felicidade está em Deus e por isso devemos ajudá-las a estar em estado de Graça e a encontrar o tesouro, com misericórdia e verdade.
Muito obrigado Padre José Luís, pela sua coragem e facilidade em escrever brilhantemente estas verdades. Bem haja.
Fantásticas palavras Sr. Padre. Fomentar a união e compreensão, sem julgamentos desnecessários.
Enviar um comentário