Tudo tão bem dito e que sirva de lição para a Igreja Católica europeia e arredores do mundo inteiro...
(Miguel Sousa Tavares, in Expresso,
27/10/2018)
Deus,
no Brasil, foi usurpado e é agora representado pelas Igrejas Evangélicas, cujos
bispos viajam de jacto privado, vivem no luxo e na abundância, são donos de
rádios e televisões e cobram metade efectiva do quinto real aos seus fiéis, com
uma ferocidade e eficácia de que nenhuma repartição de Finanças é capaz. Com a
sua leitura particular do Evangelho, concluíram que o reino de Deus é, sim,
deste mundo e ocupam já um quarto dos lugares do Congresso, tendo proclamado o
seu apoio ao capitão Jair Bolsonaro, “enviado do Senhor” para combater o
“anti-Cristo”.
Deus
foi-se embora dali: deixou ao Brasil os braços abertos do Cristo do Corcovado
protegendo o nosso Rio de Janeiro antes que um aventureiro lhe lance mão, os
seus apóstolos do Aleijadinho em Congonhas, as igrejas de Olinda, ou a catedral
flutuante e mágica de Brasília, obra do ateu Niemeyer, o único templo católico
do mundo onde Deus não esmaga os fiéis, antes lhes dá asas para voarem ao seu
encontro. Esse Brasil sim. Mas o Brasil deste proclamado ungido de Deus não.
Assim,
abençoado pelas Igrejas dos novos crentes e tementes, propulsionado pelas redes
sociais que são a democracia dos novos tempos, pelas mentiras compradas em
pacotes no WhatsApp que são o novo jornalismo, empurrado pelos empresários que
se esqueceram de prender e pelos políticos que esperam amnistia, pelos
juízes-justiceiros que se darão por saciados, pelos militares que se darão por
bem lembrados, pelos letrados que se imaginam revolucionários atrás de um
capitão que não tem pudor de mostrar o que não sabe e não pensa, pelos que têm
fome e sede de justiça e imaginam que irão ser saciados, pelos que têm fome e
que julgam que se irão ocupar deles, pelos que têm medo e a quem prometem um
revólver contra os bandidos, pela grandiosidade de um Fernando Henrique Cardoso
que prefere morrer enferrujado na porta que se vai fechar, 210 milhões de
brasileiros vão amanhã à noite mergulhar numa escuridão de onde ninguém sabe
quando será o regresso e a que preço.
Para a
História ficará o registo de um povo que se suicidou por sua livre vontade. E
não haverá história mais triste do que esta para contar. Boa noite, Brasil.
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