Meditação:
Os animais selvagens nunca matam para se divertir. O homem é a única criatura para quem a tortura e a morte dos seus semelhantes podem ser divertidas em si mesmo. Li estas linhas numa revista alemã e instintivamente o meu pensamento levou-me para os horrores do nazismo, quando a tortura mais horrível se transformou em passatempo sádico.
A consideração é atribuída a um historiador britânico do século XIX, James A. Froude, e recolhe um aspeto trágico da humanidade. O animal ataca outro se é atacado ou se quer assegurar a sua sobrevivência. O homem, dotado de criatividade, fantasia e liberdade, rebaixa estes talentos e mergulha na crueldade mais atroz, elaborada por vezes com refinamento intelectual.
Quando eu era criança impressionava-me um quadro do Novíssimo Dicionário Melzi, que era um pouco o livro da minha primeira curiosidade no saber: o quadro representava todas as torturas e podia realmente sentir-se o quanto a inteligência humana pode degenerar em perversão.
É talvez por essa razão que a antiga fábula (a partir do burro bíblico de Balaão) transformou os animais em mestres dos humanos. Ironicamente o poeta Ezra Pound (1885-1972), na poesia “Meditatio”, escrevia: «Quando observo atentamente os curiosos hábitos dos cães, / tenho de concluir / que o homem é o animal superior. // Quando observo os estranhos hábitos do homem / confesso-te, meu amigo, que duvido».
Somos certamente mais evoluídos do que os animais; mas também sabemos precipitar-nos no abismo do absurdo, da crueldade e da brutalidade. Atribuímo-nos o título de reis da criação mas muitas vezes não somos mais do que tiranos implacáveis. E os cães, levantando para nós o seu nariz húmido, parecem perguntar-nos porquê tanta estupidez e crueldade.
D. Gianfranco RavasiPresidente do Conselho Pontifício da Cultura
In Avvenire
Trad. / adapt.: rjm
© SNPC (trad.)
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