Texto de opinião da secção «Sinais dos Tempos» do Diário de Notícias do Funchal, publicado este domingo 01 de Julho de 2012...
Destaque Dnotícias: A sociedade madeirense precisa de acordar. Precisa de gente que nos fale, que reflicta com verdade
Duas frases, uma bíblica e outra de São Bonifácio, bispo e mártir.
- «Não penseis que vim trazer a paz à terra. Não vim trazer a paz, mas a espada» (Mt 10, 34). - Como será que é interpretada esta passagem evangélica, por muitos que se dizem católicos, que apelam a palavras mansas, que os bispos e os padres se remetam ao quentinho das atitudes não dizendo nada sobre a situação política e social que nos rodeia?
- «Não sejamos cães mudos, não sejamos sentinelas caladas, não sejamos mercenários que fogem dos lobos, mas pastores solícitos, vigilantes sobre o rebanho de Cristo. Enquanto Deus nos der forças, preguemos toda a doutrina do Senhor ao grande e ao pequeno, ao rico e ao pobre, e todas as classes e idades, oportuna e inoportunamente». - Que diriam disto uns católicos que se abrigam em movimentos religiosos de cariz intimista, escondidos debaixo de saias de bispos e padres, que apelam ao silêncio com a espada em punho da fidelidade sem Evangelho e sem Jesus de Nazaré?
Eis o que a pequena boca nos quer impor. Mas, face à miséria que ganha cada vez mais terreno, dizemos como disse o bispo D. António Ferreira Gomes à figura maior da «velha senhora» que governou Portugal, qual «messias» redentor da nação portuguesa: «não vejo vantagem nenhuma em afogar um grito de dor». Também eu não!
Qual a vantagem em calar perante uma situação social preocupante que nos rodeia, onde o desemprego conduz à fome? - Não temos, nós católicos, vantagem nenhuma em calar a péssima administração do bem-comum. A esta denúncia saltam em cima a direita, o centro-direita e alguma esquerda, porque todos «comeram» na gamela que este estado de coisas concebeu.
Então é vê-los contra tudo o que mexe, contra alguns padres, porque têm púlpito, falam da Palavra de Deus, não como mensagem do passado para domesticar o rebanho, mas para o pôr a mexer e o levar às pastagens do mundo com liberdade e responsabilidade. Agora porque sentem que a sociedade começa a acordar da letargia de uma organização interdependente de subsídios, de empregos à medida dos padrinhos e afilhados, dos irmãos/as, esposos/as, filhos/as, sobrinhos/as, tios/as, primos/as… Uma rede infindável de interdependências que conduziu a sociedade madeirense ao silêncio, ao não direito à indignação e a uma sociedade acrítica face a todos os poderes. A guerra dos jantares é bem reveladora deste estado de coisas. O ridículo perdeu a vergonha toda.
Os partidos políticos, as empresas que vinham de trás e as criadas à medida da nova clientela, as Igrejas (a católica e até o mais pequeno movimento religioso), todos, beneficiaram desta interdependência. Daí que o mais cómodo seria sempre estar calado, não se indignar, o deixa andar, porque, ai Jesus se me tiram o emprego, a reforma, o subsidiozinho e todas as benesses…
O grande desafio do nosso futuro radica mesmo aqui. A sociedade madeirense precisa de acordar. Precisa de gente que nos fale, que reflicta com verdade. Que se indigne face à injustiça, que lute pela transparência contra todo o género de mentiras, que nos diga que não podemos ter uma justiça para pobres e outra para ricos, que o bem comum é para todos e não apenas para facções partidárias ou familiares.
O grande desafio é sermos capazes de criar uma sociedade consciente dos seus direitos, que diga de sua justiça, que lute, que se indigne e que seja consciente, não se deixe enganar por ninguém, mesmo que prometam mundos e fundos de benesses e mordomias. Chegou a hora de não sermos meros consumidores de espetadas, vinho seco e votantes cegos para não dizer bêbedos das festanças da propaganda.
Mal andamos se nos reduzimos aos delírios da pequena boca, que devassa a vida privada, que se diverte com o terrorismo verbal, fazendo crer que há fantasmas e inimigos por todo o lado, que ofende quem pensa e diz de modo diferente do estabelecido, com bocas rasteiras e que se acham acima da crítica, da lei e donos da verdade. Esta Madeira deve ser morta e enterrada.
José Luís Rodrigues, padre
3 comentários:
Pena é que o homem pareça estar consumado pela sede de poder...
Abraço.
Caro amigo que não conheço, mas admiro pela sua clareza de espírito e pela vontade de remar contra a maré desse centralismo pérfido e bacoco, conluiado com poderes religiosos subservientes e subsidio-dependentes, só lhe digo: seja forte e mantenha a coluna vertebral bem erguida, pois não são uns convencidos quaiquer que tiram a razão. A verdade de Cristo e a sua mensagem em favor dos pobres está acima de bispos e jardins, por mais fortes e perturbantes que sejam os seus estranhos odores. Coragem!
J. Gomes
tettor
Parabéns amigo por este blogue e pelo modo aberto e claro como escreve.
Cuidado porque "o maior" pode pregar-lhe uma tareia à moda antiga.
- manda bater e esconde a mão que o fez.
Concordo contigo e como católico revolta-me esta Igreja acomodada. Diz «sim» a todas as barbaridades políticas actuais.
Devemos dizer basta e não ter medo de denunciar estes falsos governantes.
Dominam a comunicação social com mentiras e promessas que não cumprem. Dói-me esta Igreja resignada.
É preciso denunciar toda a classe política que abocanha sem vergonha todos os subsídios destinados a promover a saúde e a cultura, a educação e o progresso.
Somos um país de pensionistas com cinquenta anos que ocupam toda a máquina do estado rapando e sorvendo sem vergonha nem respeito o que sobra.
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