A resignação do Papa Bento XVI, foi um
acto sobejamente enaltecido por toda a gente. Veio revelar que a «Barca de
Pedro» estava um pouco sem rumo, à deriva e os ventos eram tão fortes que o
Papa alemão reconheceu que não tinha forças suficientes para continuar ao leme
da barca. Foi-se e abandonou o comando da barca, para que outro com mais «vigor»
viesse tomar os comandos da viagem.
Bom, aqui estamos com o Papa Francisco
ao leme. Um papa vindo do «fim do mundo», que rebenta com os esquemas protocolares,
dessacraliza o Papado, rompe com a apertada segurança, que fala da pobreza, do
Espírito Santo e de mudanças na Igreja Católica. Vejamos o que disse na homilia
da missa de ontem (16 de Abril de 2013): «Pensem no Papa João XXIII. Ele
parecia um bom pároco e foi obediente ao Espírito Santo e fez isto. Mas 50 anos
mais tarde, fizemos tudo o que o Espírito Santo nos ordenou no Concílio? Na
continuidade do crescimento da Igreja que foi o Concílio? Não». Claro que não.
É tempo de acabar com as festanças religiosas para marcar a agenda e fazer
passar a imagem para fora de que tudo está bem. Há gente, mesmo que sejam
sempre os mesmos a encher autocarros, a bater palmas, a abanar bandeirinhas,
vestir camisolas e bonés muito bem ornamentados com os apetrechos religiosos
para a ocasião.
A meu ver faz bem o Papa Francisco em
desejar colocar o acento no Concílio Vaticano II, porque grande parte daquilo
que foi discutido nesta reunião magna da Igreja nos anos 60 ainda falta ser
levado à prática. Então diz o Papa «vindo do fim do mundo»: «Celebramos este
aniversário [referindo-se à comemoração do 50º aniversário do Concílio Vaticano
II] erguemos monumentos, mas não nos damos ao trabalho. Não queremos mudar»,
afirmou ainda o Papa.
De seguida, Francisco foi mesmo mais
longe e criticou aqueles que procuram regressar ao período antes do Concílio: «E
há mais: há vozes que procuram voltar atrás. Chama-se a isto teimosia, chama-se
querer domesticar o Espírito Santo, chama-se a isto insensatez e lentidão de
coração». Mais clareza é difícil de encontrar e coloca na ordem os que andam
por aí a restaurar a parafernália eclesiástica há muito tempo arrumada nos
armários das sacristias ou nos museus para serem isso sim tomados como peças de
um tempo que há muito que passou. As respostas aos problemas de hoje com
remendos do passado, é a pior das asneiras e resulta na patetice e no ridículo.
Estamos num tempo de ouro para grandes
transformações na Igreja Católica, que resumo em dois aspectos. Primeiro,
porque, segundo o pensamento filosófico de hoje o contexto do mundo é este que foi descrito de forma excelente por Gilles Lipovetsky no DN – Lisboa a 4/4/2010). Face
à seguinte pergunta responde: «É por tudo isto que vivemos numa
sociedade desorientada?»
«- Absolutamente. A cultura-mundo acelera
a desorientação. Desde o século XIX, que os grandes pensadores ocidentais
assinalam este fenómeno, de que a modernidade se desorienta. Nietzche fala na
morte de Deus, o mesmo é dizer que se perdeu um dos pilares sólidos da
Humanidade. Hoje, essa questão é mais complexa, por que não é apenas a questão
de Deus que nos desorienta, mas sim tudo. Por exemplo: o que comer? Antes, era
tudo muito simples. Comíamos os pratos tradicionais. Hoje, não. Podemos ir a um
restaurante japonês, podemos comer fast-food, podemos comer tudo. Nas grandes
cidades existem restaurantes de todo o mundo». Disse o autor de a «Era do Vazio».
O segundo aspecto prende-se com tudo o
que tem assolado a Igreja Católica nos últimos tempos, principalmente, os
escândalos relacionados com a pedofilia e com todas as falcatruas nas finanças
do Banco do Vaticano. Se isto não levar à mudança não se sabe o que levará. Mas, parece que se vê muito bem claro que o espírito do tempo exige mudança e sente como nunca que a Igreja Católica precisa de lavar a cara.
Este é um tempo de ouro, que se não for
aproveitado para a mudança não sei então onde estarão outros tempos tão
propícios. A abertura para qualquer mudança internamente na Igreja Católica é quase
unânime, tirando as facções conservadoras e integracionistas que se viram
neutralizadas com a eleição do Papa Francisco, mas que a qualquer momento se
vão manifestar contra o Papa e contra a onda que anseia com a necessidade
urgente de reformas na Igreja Católica. Se quisermos referir o mundo em geral,
então, aí será raro encontrar qualquer oposição às reformas.
Neste sentido, esperamos
ardentemente que o Papa Francisco dê largas ao Espírito Santo que age quando
quer, onde quer e em quem quer. Mais ainda desejamos que o pensamento da «Ecclesia reformata semper reformanda secundum verbum dei» (Igreja sempre reformada segunda a Palavra de Deus), cuja formulação foi feita no coração da Reforma
do Século XVI e retomado depois no espírito do Concílio Vaticano II no anos 60,
seja também hoje uma ideia que toma de assombra toda a Igreja Católica, para que
o vendo do Espírito Santo renove tudo o que fez da Igreja Católica um albergue do
vazio que provocou o distanciamento dos homens e das mulheres do seio da Igreja,
especialmente, os mais jovens.
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