1. Andam para aí a
dizer que hoje é o dia da felicidade. Como se pudéssemos intervalar a
felicidade e remetê-la para celebrá-la apenas num dia só do ano. A felicidade é
para sempre, com altos e baixos, é certo, mas existe sempre e até na solidão,
em algum sofrimento pode transparecer a felicidade. Os lugares da oração
quotidiana e da provável infelicidade, segundo crê a lógica deste mundo, têm
sido desconcertantemente as maiores ofertas de felicidade. Os dias da felicidade
só podem ser todos os dias.
2. Tenho em mãos um
livro magnífico, «Caminhando pela vida», de Maria Conceição Pereira. Um enorme
surpresa que tem sido uma felicidade enorme estar a ler. Mais ainda, é uma
felicidade, se vos testemunhar que
chegou às minhas mãos pela mão generosa da autora, com uma simpática e bonita
dedicatória. Gostaria de alinhavar aqui algumas ideias em jeito de comentário
para que muitos mais madeirenses desfrutem do prazer desta leitura. Para facilitar
a minha vida e dar-vos a possibilidade de percorrerem comigo o livro, estruturo
o que pretendo dizer desta forma: a) a infância da autora e o apego à sua
terra, o Seixal; b) a descoberta da cidade (Funchal) - e a vida que a cidade
implica; c) A emigração; d) a intervenção política; e) estamos, seguramente,
perante uma mulher de causas...
3. Caminhando pela
vida, Conceição Pereira, conduz-nos pela mão aos cantos do Seixal, calcorreando
veredas, as casas, os poios, as pessoas, a igreja, a catequese, a escola e a
vida toda da sua freguesia onde ela viu a luz do dia. O cenário deste quadro
bucólico está bem delimitado pelo mar e pela imponente montanha que a norte do
Seixal se impõe. Dessa infância e juventude retém tudo o que o Seixal oferecia,
os usos e costumes, a ruralidade sem que nada venha proibir o inconformismo e a
vontade de progredir, vindo futuramente a construir o futuro da sua vida que as
páginas do livro nos revelará.
4. A descoberta da
cidade do Funchal, apresenta-se como o segundo
passo na história da sua vida. Abrem-se novas possibilidades. Embora as
limitações do «Estado Novo» fossem tão cerceadoras, particularmente, para as
mulheres, na cidade pode aprender mais e
permitiu-lhe a experiência do emprego. Mesmo face ao ambiente repressivo e à
marginalização geral das mulheres da vida cívica, dá os primeiros passos na
política e na mundo sindical, na acção Católica, Oposição Democrática e no
Sindicato de Empregadores de Escritório e Caixeiros. Esta acção é já bem
reveladora da mulher de causas em favor dos outros, especialmente, naquilo que
se vai revelar depois, na lutadora intransigente pelos direitos e dignidade das
mulheres.
5. Nos anos 60 e 70, a
perseguição da ditadura, a pobreza generalizada, determinaram que uma porção
enorme de portugueses emigrassem. Conceição Pereira foi para França, Paris.
Aqui ainda mais sentiu a necessidade de aprender, porque confrontada com as
condições miseráveis das mulheres emigrantes, especialmente, as empregadas
domésticas, viu-se tomada pela sua veia de lutadora inconformada com a
injustiça. Movida pelo entusiasmo da
Revolução do 25 de Abril, regressou à Ilha da Madeira, onde vai continuar os
seus estudos para que possa vir depois a assumir o ensino como professora.
Mesmo assim, nunca deixou de estar presente no mundo da política partidária e
sindical, a causa da luta pelos direitos dos trabalhadores e a dignidade das
mulheres foram o seu horizonte, pois nunca deixou de ter como elementos
inspiradores essa causa na sua acção e nas suas opções, quer pessoais quer
partidárias.
6. No prefácio o
professor Nelson Veríssimo, traça o essencial da sua intervenção política:
«sempre encontramos Conceição Pereira em manifestações, comícios, debates e
acções cívicas, a distribuir propaganda e a colaborar na imprensa». Sempre
contra as diatribes do Jardinismo, contra ao regime da colonia, pelas mulheres
e trabalhadores, no Sindicato dos Professores,
foi militante da UDP e hoje do Bloco de Esquerda, foi deputada à
Assembleia Regional da Madeira. Sempre sem parar de lutar, é uma mulher empenhada
nas lutas pelo bem comum, a igualdade, a inclusão e por todos os direitos que
sempre são coarctados pelos poderosos às classes mais frágeis, especialmente,
os trabalhadores e as mulheres. Mais claro é impossível: «Cada um coloca-se do lado
que quer, mas um Bispo pôr-se ao lado daqueles facínoras era coisa que não
cabia na minha cabeça» (p. 96). Refere-se ao Bispo Saraiva que puxou as orelhas
aos movimentos da Acção Católica, por causa do posicionamento político que assumiram nas
eleições de 1969 para a Assembleia Nacional, aos tempos da Primavera Marcelista.
7. O livro é apenas uma
parte da vida intensa e grande de uma figura que nos revela uma vontade sempre maior
que a sua terra natal, mais vasta que o segundo lugar onde chegou, a cidade do
Funchal. E até a cidade de Paris, parece não caber a inquietação de Conceição
Pereira. Feliz a hora em que regressa para a ilha, para que entre nós ponha em
acção toda a sua vontade e o seu saber em prol do bem comum e da justiça.
Conceição Pereira, certamente, ficará na história do povo da Madeira, como
uma mulher guerreira e como um exemplo a
nunca ser descorado por todos/todas as pessoas que implementem a luta pelos
direitos dos mais fracos, particularmente, quando confrontados com a violência
que consume o mundo feminino. No âmbito do clero, faz uma pequena referência à
obra incontornável do Padre Marques na Paróquia de Fátima e na Lombada da Ponta
de Sol. Um prazer enorme estar a passar algum tempo na leitura deste livro.
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