1. Tanto que rezei pela "conversão da
Rússia"! Porém, à medida que os anos foram passando, crescendo em estatura
e progredindo intelectualmente, descubro na verdade, que a conversão da Rússia
aconteceu já no século X, mais exactamente em 988, quando Vladimir, o Grande
(958-1015), príncipe dos Rus de Kiev, foi baptizado e obrigou ao baptismo toda
a família e todos os seus súbditos. Os Rus de Kiev são, segundo a narrativa
dominante, os antecedentes de russos, bielorrussos e ucranianos nossos
contemporâneos. Foram estes eslavos vindos de Leste que, sob a dinastia Rurik,
mais tarde viriam também a fundar o Ducado de Moscovo, e é também desta
dinastia o 1º dos Czares.
O "Batismo de Kiev" sob o
comando de Vladimir, o Grande.
Afresco
na Catedral de
São Vladimir em Kiev.
(Klavdiy Lebedev, 1852-1916)
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2. Portanto, aquele absurdo de pôr a rezar,
pequenos e graúdos, pela "conversão da Rússia" tinha em vista o quê
concretamente? - Tantas vezes ouvi no final da reza do terço, aquele suplemento
das três ave Marias pela conversão da Rússia". Não é que tal fosse
necessário, mas fazia parte da construção à volta de Fátima, que naquele
ambiente sombrio do medo contra os comunistas, que na altura comiam criancinhas
ao pequeno almoço, tínhamos nós que rezar pela conversão daqueles malvados que
na Rússia tinham o seu ninho. Um infantilismo que se dispensava, não fora tanta
pieguice à volta de Fátima e tanta instrumentalização para que tal fenómeno se
impusesse como se impôs. A baboseira teima em continuar, mas até penso que este
caminho vai fazendo engrossando o número daqueles que olham Fátima com
desconfiança e que recusam tudo o que este fenómeno implica.
3. Tudo isto se passava nos ambientes mais
profundamente religiosos, escolas de freiras e frades, seminários, paróquias,
grupos, movimentos e famílias... Era quase todo um país tomado por uma causa
enorme, rezava devotadamente pela conversão de um outro povo que andava nas
trevas e que sob um milagre de Nossa Senhora Fátima logo veria a luz da
salvação. E não é que já veio. Hoje ninguém reza pela "conversão da
Rússia", os seus líderes já são iguais aos nossos e por aqueles lados
deixou de existir opressão e não se fala nada de máfias e muito menos de
corrupção.
Não me levem a mal, a mas desde que
descobri o quanto tinha de fraude aquele suplemento das três ave Marias pela
"conversão da Rússia", fiquei um pouco furioso comigo mesmo, porque
embarquei na ideia que aqueles pobres coitadinhos da Rússia andavam tão
perdidos e desgraçados nos caminhos da perdição.
4. Só quem tenha vivido neste ambiente é
que pode perceber muitas das mensagens que andam a circular a propósito dos 100
das aparições de Nossa Senhora de Fátima na Cova da Iria e que associam as
mudanças na Rússia à "conversão da Rússia" que os pastorinhas tanto
falaram em nome de Nossa Senhora. Foram as palavras milagrosas da Glasnost e da
Perestroika de Mikhail Gorbachev que trouxeram a luz. A Glasnost (transparência,
em russo) e a Perestroika (reestruturação, em russo) foram medidas políticas e
económicas adoptadas na ex-União Soviética, em meados da década de 1980,
durante o governo de Mikhail Gorbachev. Tinham como principais objectivos
modernizar e abrir a economia soviética, além de garantir maior abertura
política. Estas medidas foram as principais responsáveis pelo fim da União
Soviética e do seu sistema político económico (socialismo), que vigorava desde
a Revolução Russa de 1917. Foram também de fundamental importância para o fim
da Guerra Fria.
5. Foi tão irónico ver o vídeo de Zita
Seabra, uma antiga ferrenha comunista, agora assumidamente convicta
ex-comunista, a fazer a apologia de que sim senhora, foi muito importante Nossa
Senhora de Fátima para a "conversão da Rússia" e que teria acontecido
nos anos 80 do século passado com a Perestroika de Gorbachev.
6. Seria bom que as
comemorações dos 100 anos das aparições de Fátima tivessem alguma dignidade.
Acho que Nossa Senhora e nós hoje dispensamos a infantilidade que desde sempre
norteou - e aliás, coisa que parece continuar - muitas das acções à volta de Fátima.
2 comentários:
Acho que é absolutamente redutor reduzir a mensagem de Fátima a isto...
Por isso é que é necessário falar da atualidade da mensagem deixando de lado estes pormenores!
Uma mensagem que é um apelo constante à conversão, à procura da paz, à importância da oração.
Amigo, "pormenores" que fizeram um universo e mau será que tais "pormenores" não nos permitam reflectir, só porque alguém entende que devemos calar submissamente...
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