Esta semana com Miguel L. Castro Fonseca Henriques...
Se falo de mim e de Deus, tenho de falar do
outro que me revela Deus em mim. Deus e eu é uma relação que deriva da relação
que tenho com o outro, onde vejo a presença ou a ausência de Deus. Se o inferno
são os outros, o inverso também é verdade, Deus vê-se nos outros. Mas quer a
presença, quer a ausência de Deus nos outros, pode derivar não dos outros, mas
da ausência de Deus em mim, que não o faço presente na vida dos outros, e,
sobretudo, me abstenho de tornar presente Deus na vida das outros quanto e
quando mais pressinto que Deus está ausente da sua vida. Os outros são os que
gravitam na periferia do eu, e, como cada eu tem a sua periferia, eu sou também
os outros e os outros fazem parte de mim. Se nos retirarmos, Deus está ausente.
Retiramo-nos quando ignoramos o outro nas suas necessidades corporais e
espirituais: Deus está ausente se há fome, sede, frio, no corpo e na alma, falta
de tecto ou de palavra, ignorância, horizonte, alegria, perdão, paciência,
perda de memória. Mas logo o coração se abre ao outro e eis que Deus está de volta.
Ou seja, as ausências de Deus são as nossas ausências. É a mim que me cabe
trazê-lo de volta. Deus é essa realidade imanente que deriva das nossas ações.
É aqui e não lá que se quebra essa linha que, epistemologicamente, separa os
que creem na transcendência, pois que ele vive ou não vive, aqui e agora, por
exclusiva decisão e responsabilidade nossa. Mesmo se o devirmos em valores
universais, seja a liberdade, o amor, a caridade, enfim, a transcendência, que,
como abóboda, não se sustenta se não assentar em pilares de base, fuste e capital
erguidos sobre as nossas ações. É legítimo dar-lhe um perfil antropomórfico,
cada um de nós, com a ideia de Vítor Hugo de que, se o Universo é infinito,
tinha de ter um eu, senão não seria infinito. Podemos até
lhe darmos um rosto à medida dos nossos conhecimentos. Jesus é o ser amável que
conheço para ser o rosto de Deus. Através de Jesus, posso me relacionar com
Deus, mas devo aceitar que cada um estabelecerá esse diálogo como bem entender,
desde que os valores universais superem a linha que me dilacera e que divide os
designados, pela sua forma de relação com os valores, em crentes e ateus, e
todos compreendam que esses valores universais partem da imanência de cada ato.
Cada ser realiza-se em unidade com os outros, o que se pode traduzir na oração
que une habitantes de todo o universo, Pai Nosso e assim na terra como no céu.
Somos todos filhos do universo.
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