«Deus e eu»... Texto inédito de Luis Filipe Malheiro, escrito exclusivamente para o leitores do Banquete da Palavra.
A minha relação com
Deus é uma coisa estranha, talvez mesmo contraditória. Verdade seja dita que
ela nunca foi estreita, constante ou entusiástica. É instável, sempre foi, mas procurando
ser o mais exemplar possível, em termos de cumprimento das exigências impostas
aos crentes.
No fundo, bem vistas as
coisas, somos interesseiros. Recorremos a Deus sempre que estamos à rasca ou quando
precisamos de algum apoio mais divino ou mais extraordinário, em última
instância. Mas logo O esquecemos e passamo-Lo para trás. Há muito que percebi
que Deus não é para muitas conversas. Tal como acho que Ele nunca perdeu tempo
comigo. Por isso não perco tempo à procura de portas.
Quando me questiono,
com retroatividade temporal (e factual), sobre a razão de ser de determinados
acontecimentos relacionados com a minha vivência - e que marcaram todo o meu
percurso de vida - e não encontro as respostas que acho que seriam as minimamente
plausíveis, a minha primeira reação foi a de virar a página e esquecer tudo. Acho
que essa minha (des) relação com Deus é vítima desse vazio, dessa falta de
resposta, dessa contradição entre a quase obrigação de acreditar e a realidade pragmática
desse silêncio.
Mas não sou capaz. Há
qualquer coisa que me recomenda bom senso e muita tolerância na procura dessas
respostas que continuo a não encontrar. Provavelmente delas dependeria muita
coisa. A necessidade de perceber as causas de tudo, já que ficaram para sempre
as marcas da incompreensão.
À medida que fomos
crescendo, tudo o que nos ensinaram na infância e na juventude começa a
esbater-se e a perder sentido. Passamos a perguntar muito esbarrando na
repetida falta de respostas. Isso levou-me a querer perceber a essência de uma
religião assente muito na teoria de mensagens legadas por textos que
atravessaram os tempos, mas que não consegue evitar o impacto negativo decorrente
de dificuldades complicadas e a sua incapacidade de afirmação e de aceitação junto
das pessoas. Há, cada vez mais, muito pragmatismo na sociedade dos nossos dias que
conduz-nos ao egoísmo de encarar também esta questão sob uma lógica
interesseira.
As pessoas querem
perceber a diferença entre a mensagem original de Cristo e a alegada
manipulação dessa mensagem, das regras e das práticas introduzidas pelos homens
ao longo dos séculos, para que a religião se adaptasse a cada tempo, porventura
pressionada pela necessidade de imperiosa sobrevivência.
Por um lado, penso muitas
vezes que essa relação com Deus é uma desnecessidade. Admito que o faço, impulsionado
pelo facto de perceber que Ele não nos responde quando precisamos Dele ou Lhe
pedimos a sua intervenção. Aliás todos nós temos a sensação de que Deus se está
nas tintas para nós. E nem todos toleram isso. Mas provavelmente somos os
únicos culpados disso. Ou não? É tudo uma questão de crença e de fé.
Faz sentido, admito, assumirmos
que há Alguém presente no nosso quotidiano mesmo estando ausente, mesmo sem
darmos por Ele, Alguém que não vemos, que não sentimos, que provavelmente nunca
nos falou nem alguma vez nos dirigirá a palavra. Mas que uma certa “praxis” nos
impede de colocá-Lo à margem da nossa vida.
Em situações normais,
projetando uma espécie de deve e haver, o saldo dessa minha relação é o que é,
pouco convincente. Reconheço que não sou muito dado a falar com Deus. Admito
que essa relação poderia ser melhor, poderia ser até mais eficaz. Mas não me
parece que hoje a minha crença assente numa perspectiva tão aberta como foi no
passado.
Ao invés, gosto de
Fátima. Sempre que passo em Fátima, e há anos que o faço sempre que vou ao
Norte, sinto-me bem. Não sei explicar porquê, mas ali sinto-me bem. Sinto que há
naquele imenso espaço, qualquer coisa de muito especial… Trata-se de um local
de oração e de expressão da fé de pessoas, de homens e mulheres, de jovens e de
mais velhos, de doentes e de pessoas sãs, de nacionais e de estrangeiros, etc,
que de uma forma ou de outra olham para Fátima como um ponto de encontro com
qualquer coisa de místico, de transcendente.
Recuso render-me às
reflexões mais polémicas e radicalizadas sobre os acontecimentos históricos no
Santuário que este ano celebra o centenário, talvez porque em Fátima sinto-me como
se estivesse em casa. Aqui sim, falo muitas vezes não sei com quem, na
expetativa de que alguém me oiça e anote os meus pedidos. Obviamente que temos
que merecer por isso. E provavelmente esse meu desmerecimento explica o
fracasso das minhas expetativas.
É fatual a minha
desilusão, porque continuo, pragmaticamente, com a mania de que as coisas precisam
de acontecer para então podermos acreditar nalguma coisa.
Se o diálogo não
acontece, então nesta relação com Deus alguma coisa deixou de funcionar e de
fazer sentido. Egoísmo? Provavelmente. Mas suficiente q.b. para condicionar
muita coisa e influenciar as minhas opiniões.
Tenho pena, porque
poderia ser uma relação melhor, mais estabilizada, funcional e até pragmática.
Deixei há muito de acreditar que isso alguma vez seja possível.
LFM
6.3.2017
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