1. Não ser
cristão como quem vive de uma recordação vai desaparecendo a pouco e pouco, para cada um ser fiel à responsabilidade que o estatuto de filho de Deus confere e que
São Paulo exprime: «Se somos filhos, somos também herdeiros,
herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo» (Rom 8, 17). Quem diz herdeiro, diz
continuador da missão, da vida.
2. Esta nova visão deve ser esclarecida em todos na Igreja, mas de modo especial na hierarquia eclesiástica a quem compete guiar os fiéis à santidade. Dela deve vir o impulso
que permitirá a muitos cristãos desestabilizados a fazerem o funeral do mundo
do qual se sentem órfãos e reencontrarem o dinamismo inscrito no centro da sua
fé.
3. Os psicólogos
verificam todos os dias que os traumatismos sofridos pesam muito, mas mais
grave ainda é o seu recalcamento. A dor aumenta quando a pessoa atingida não
pode manifestar o seu sofrimento e não tem quem a oiça com atenção. É
importante que os cristãos possam manifestar o seu descontentamento e o seu
desgosto, a sua impaciência e, por vezes, a sua raiva.
4. Por isso,
renovarem-se e saírem do sofrimento faz supor que se purificaram interiormente
em relação à crise, o que implica terem sido ouvidos. A hierarquia deve
continuar a ver chegar-lhe esta queixa por vezes difícil de escutar. Mas deve compreender
que é também sua tarefa acolher os decepcionados (ou os «vencidos do
catolicismo» como diria Ruy Cinatti e tantos outros irmãos que se desencantaram
com a Igreja ou que simplesmente foram esquecidos por ela) com a Igreja, os
desencantados com os tempos, aqueles que a história recente afastou, aqueles
que se inquietam com os progressos do mundo. Interessar-se-á por compreender a
angústia da alguns cristãos e as suas interrogações. Preocupar-se-á com o
acolhimento benevolente tanto das tentações de recuar, como das tentativas de
experimentar. Sobretudo, saberão confiar na armadilha de uma atitude de defesa
orgulhosa de um equilíbrio passado que se desfaz sem que a isso se possam se
opor.
5. No fundo,
basta não marginalizar ninguém e centrar toda a missão evangelizadora no
acolhimento de todos como irmãos, numa atitude de humildade e desprendimento. Uma
Igreja interessada só em bens deste mundo não tem futuro e tem os dias
contados. Por isso, requer-se uma Igreja que ponha em prática a expressão tão
conhecida e badalada do Papa João XXIII, «a Igreja, deve ser Mãe e Mestra».
Mais deve a Igreja toda estar ciente da palavra do Evangelho: «toda árvore boa
produz bons frutos, enquanto a árvore de má qualidade produz maus frutos. Uma
árvore boa não pode dar maus frutos, nem uma árvore de má qualidade pode dar
bons frutos» (Mt 7, 17-18).
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