Vai fazer falta aquele corte delicado
que fazia deliciosos bifes de atum. Ou então, umas expressões tão corriqueiras,
mas tão importantes para o que vem depois e que se tornam ainda mais valiosas quando
elas nos faltam, «hoje é gordo vai bem servido» ou outra «hoje não é bom, é
magro». Era assim que o sr. Luís me recebia atrás da banca da praça do peixe no
Mercado dos Lavradores. à volta dele circulavam os outros irmãos, cada um a
fazer a sua tarefa, uma azáfama fraternal que não dispensava um olhar de
espanto e uma vontade enorme de sorrir porque dá gosto ver assim um clã tão
fraterno juntos a lutar para o mesmo fim.
Morreu o sr. Luís Gonçalves, da peixaria
do Mercado dos Lavradores, onde laboravam vários irmãos. O Sr. Luís tinha a seu
encargo desfazer o atum e cortar delicados bifes que maravilhavam toda a gente
que passava.
Mas a vida é assim mesmo. O momento da
partida sempre chega. Chegou para o sr. Luís, o irmão mais velho do grupo de
irmãos, naquele canto incontornável da praça do peixe.
Os enormes atuns estendidos sobre o
mesão sangravam e pulsavam de gordos à espera que a enorme catana do sr. Luís,
os desfizessem em pedaços para serem vendidos e por fim deliciarem os
consumidos. Devo ser um dos privilegiados, que se admiravam e contemplavam
aquela irmandade da peixaria do mercado do Funchal, Lavradores, que por entre
dedos ensanguentados e cortes certeiros saboreava as reflexões do sr. Luís.
Tantas vezes sobressaia aquela indiferença
a tudo o que se passava com os irmãos atarefados noutros cortes: o corte dos filetes
da espada preta, do Salmão, das douradas, dos bodiões entre tantos outros finos peixes
que nunca faltam nos mesões da fraternidade Gonçalves. Essa indiferença permitia
sair alguns momentos de conversa para a política, para a religião, para a sua longa
história naquele trabalho da venda do peixe, desde os tempos do seu pai de quem
veio arte do negócio do peixe. Não raras vezes me testemunhou até a forma como preparava
e comia o peixe em casa ou para situações da sua família.
Nesse quadro indispensável da vida no
Funchal, o trabalho continuava e ia ficando registado nas máquinas fotográficas
dos magotes de turistas que por ali passam durante as manhãs. Nada impedia o
diálogo, a alegria com que me contava as coisas e sempre endireitava as costas
para dar uma boa gargalhada.
Vai fazer falta o sr. Luís,
é mais que certo. Mas, a regra da vida não para e segue o seu ritmo. Daqui
expresso as minhas sentidas condolências à família enlutada e que a
fraternidade do peixe no Mercado dos Lavradores se mantenha unidade e sempre atarefada
como devia gostar de ver o sr. Luís. Há muitas pessoas que passam por nós e não
ficam, mas o sr. Luís, por muito tempo passou, ficava sempre. Seguramente, que
nunca vai ficar ausente das minhas memórias.
4 comentários:
Numa das minhas habituais visitas pelo mercados dos Lavradores tive a oportunidade de fazer um pequeno video (vide link abaixo) da praça do Peixe na qual, entre outros, aparece o sr. Luis a cortar bifes de atum tal como o sr. padre descreve.
Sinceras condolências à familia.
https://youtu.be/XdiCNtO_u0g
Hoje pela manhã, pelas 11 horas, fui à praça e vi a banca dos irmãos Gonçalves vazia. Pensei primeiro que aquela irmandade, como diz o sr padre, estava a gozar, conjuntamente, umas merecidas férias, como muitas vezes acontece com pequenas empresas familiares.
Todavia, um outro vendedor de peixe de uma bancada vizinha informou-me que, a essa hora estava a decorrer o funeral do SR Luís, em Câmara de Lobos.
Fique triste por saber que acabara de partir uma figura emblemática da Praça do Peixe.
Paz à sua Alma.
Os nossos sentimentos aos seus irmãos que sempre nos atenderam tão bem.
Um.enorme abraço à família e meus sinceros sentimentos. Conhecoa o Sr. LUÍS desde que era muito pequeno. Meus pais eram seus clientes. Um bem haja para ele
as minhas cinceras condolencias a sua familia que descanse em paz
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