Crónica:
1. O rodopio da festa distrai-nos um
pouco da realidade do mundo. Somos vítimas perante a malícia que faz comandar a
vida das sociedades. A nossa muito mais, porque é a nossa e todos os dias a
sentimos com o coração e com as mãos. As pedras dançam ao som dos instrumentos
dos interesses e de acordo com a batuta dos donos do mundo. Mas recuso não ter uma
segura consciência disso. Podem levar tudo, é certo, mas quero estar ciente que
o levam. É como saber que estamos a ser burlados, mas por dever de caridade
deixamos andar. Obviamente, que a vida não funciona assim para tanta gente, que
logo esperneia e monta o maior escarcéu para denunciar e castigar devidamente
quem assim procede. Mas, alguns não são assim, deixam que as pedras dancem e
permitam o engano até certo ponto se notam à partida que ele não é assim tão
mau. Outros males estamos cheios e desses devemos ter receio e se possível
lutar até morrer contra eles.
2. Os presentes são hoje o centro das
atenções. Ouve-se muito dizerem que as crianças gostam, a festa é delas, se não
fosse eles não fazia nem comprava nada...
Mas a maior loucura é feita pelos adultos. Em que ficamos? - É mais
honesto dizer-se que todos gostam. Porém, não devia ser necessário perder tanto
a cabeça por causa disso. A burla que são os pais natais por todo o lado, que
diz, ó, ó, ó... E faz sorrir com o dinheiro das carteiras de quem é pai e mãe,
não me parece justo. Mas, a maioria embarca nisso, dança com essa música enganadora
e gosta. Quem sou eu?
3. Não tenho solução para que a dança
das pedras seja outra. Até porque não tenho sabedoria para inventar outro modo
de pensar, quem sou eu, digo-vos novamente? - Mas encantou-me ver que o olhar
de uma criança brilhou porque que estava nas suas mãos um pedaço de pizza quente.
Outra desvelou-me mais um «presente», porque se colocou vestida de branco como
um anjo por detrás do presépio sentindo-se útil e a fazer sorrir os seus pais e
todos os que se assombravam com a cena divinal. Não é muito, mas é um tudo que
nos alegrou porque se refere ao presente mais importante: a vida com sorriso e
com encanto se começa a ser feita a parte das crianças.
4. A dança das pedras
faz-me lembrar a casa vazia quando às vezes regressava àquele lugar onde nunca
vivi com os pés, mas onde morou o meu pensamento e o desejo de que essa casa
seria minha por herança. Nunca foi e nunca será, porque simplesmente não existe
essa casa dos meus encantos. Mas foi esse imaginário que me ensinou a olhar. A ver
a noite e o seu luar, o sol como um irmão tomado pelo ensinamento de São
Francisco de Assis, a ver as coisas e as pessoas todas que me rodeavam como
dádivas de origem misteriosa. Aprendi com isso o que é a liberdade, o dom para
ver que há um direito em mim que me enriquece, não só fisicamente, mas também
espiritualmente, até ao ponto de perceber que há um mundo cheio de imperfeições
que me convoca para a lutar contra as injustiças. Nessa casa dancei tantas
vezes com os amigos para perceber como era a consistência das pedras. Nunca
mais esquecerei essa alegria da minha festa interior.
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