Leitura importante para renovarmos em mais uma etapa que dizemos ANO. Renascer, rejuvenescer é preciso e é possível se cada um permitir esse renascimento em si mesmo. Reproduzimos esta mensagem aqui no Banquete com a devida vénia! Que o Espírito Santo nos guie nesta caminhada...
Leonardo Boff
31/12/2012
Há mais de quinze anos atrás publiquei no Jornal do Brasil um artigo
sob o título “Rejuvenescer como águias”. Relendo aquelas reflexões me dei conta
como de elas são ainda atuais nos tempos maus sob os quais vivemos e sofremos.
Retomo-as para alimentar nossa esperança enfraquecida e ameaçada pelas ameaças
que pesam sobre a Terra e a Humanidade. Se não nos agarrarmos a alguma
esperança, perdemos o horizonte de futuro e corremos o risco de nos entregarmos
ao desamparo imobilizador ou à resignação estéril.
Neste contexto lembrei-me de um mito da antiga cultura mediterrânea sobre o
rejuvenescimento das águias.
De tempos em tempos, reza o mito, a águia, como a fênix egípcia, se renova
totalmente. Ela voa cada vez mais alto até chegar perto do sol. Então as penas
se incendeiam e ela toda começa a arder. Quando chega a este ponto, ela se
precipita do céu e se lança qual flecha nas águas frias do lago. E o fogo se
apaga. Mas através desta experiência de fogo e de água, a velha águia
rejuvenesce totalmente: volta a ter penas novas, garras afiadas, olhos
penetrantes e o vigor da juventude. Seguramente este mito constitui o substrato
cultural do salmo 103 quando diz: “O Senhor faz com que minha juventude se
renove como uma águia”.
E aqui precisamos ser um pouco psicólogos da linha de C.G. Jung que tanto
se ocupou do sentido dos mitos. Segunda esta interpretação, fogo e água são
opostos. Mas quando unidos, se fazem poderosos símbolos de transformação.
O fogo simboliza o céu, a consciência e as dimensões masculinas no homem e
na mulher. A água, ao contrário, a terra, o inconsciente e as dimensões
femininas no homem e na mulher.
Passar pelo fogo e pela água significa, portanto, integrar em si os opostos
e crescer na identidade pessoal. Ninguém ao passar pelo fogo ou pela água
permanece intocado. Ou sucumbe ou se transfigura, porque a água lava e o fogo
purifica.
A água nos faz pensar também nas grandes enchentes como conhecemos em 2010
nas cidades serranas do Estado do Rio. Com sua força tudo carregam,
especialmente o que não tem consistência e solidez. São os infortúnios da vida.
E o fogo nos faz imaginar o cadinho ou as fornalhas que queimam e acrisolam
tudo o que não é ganga e não é essencial. São as notórias crises existenciais.
Ao fazermos esta travessia pela “noite escura e medonha”, como dizem os mestres
espirituais, deixamos aflorar nosso eu profundo sem a ilusões do ego. Então
amadurecemos para aquilo que é autenticamente humano e verdadeiro. Quem recebe
o batismo de fogo e de água rejuvenesce como a águia do mito antigo.
Mas abstraindo das metáforas, que significa concretamente rejuvenescer como
águia? Significa entregar à morte todo o velho que existe em nós para que o
novo possa irromper e fazer o seu curso. O velho em nós são os hábitos e as
atitudes que não nos engrandecem: a vontade de ter razão e vantagem em tudo, o
descuido para com o lixo, o desperdício da água e o desrespeito para com a
natureza, bem como a falta de solidariedade para com os necessitados, próximos
e distantes. Tudo isso deve ser entregue à morte para podermos inaugurar uma
forma de convivência com os outros que se mostre generosa e cuidadosa com a
nossa Casa Comum e com o destino das pessoas. Numa palavra, significa morrer e
ressuscitar.
Rejuvenescer como águia significa também desprender-se de coisas que um dia
foram boas e de ideias que foram luminosas mas que lentamente, com o passar dos
anos, se tornaram ultrapassadas e incapazes de inspirar o caminho da vida.
Temos que nos renovar na mente e no coração.
Rejunecer como águia significa ter coragem para recomeçar e estar sempre
aberto a escutar, a aprender e a revisar. Não é isso que nos propomos a cada
novo ano?
Que o ano de 2013 que se inaugura, seja oportunidade de perguntar o quanto
de galinha existe em nós que não quer outra coisa senão ciscar o chão e o
quanto de águia há ainda em nós, disposta a rejuvenescer ao confrontar-se
valentemente com os tropeços e as crises da vida. Só então cresceremos e a vida
valerá a pena.
E não podemos esquecer aquela Energia poderosa e amorosa que sempre nos
acompanha e que move o inteiro universo. Ela nos habita, nos anima e confere
permanente sentido de lutar e de viver.
Que o Spiritus Creator nunca nos falte!
Feliz Ano novo de 2013.
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