“Eu vejo na Igreja de hoje tanta cinza assim sobre as
brasas que, muitas vezes, assalta-me um sentimento de impotência”: foi
inspirado nas últimas palavras do cardeal Carlo Maria Martini, que o abade beneditino de Einsiedeln, na Suíça,
padre Martin Werlen, lançou um ataque crítico à Igreja de hoje, uma
“pro-vocação”, como ele mesmo disse, um apelo, um estímulo positivo, e fê-lo em
um relatório entregue em outubro para a abertura do Ano da Fé 2012-2013,
mais tarde reelaborado e transformado em um opúsculo de umas quarenta páginas,
que se intitula, precisamente, “Descobrir juntos as brasas sob as cinzas” (em
alemão “Miteinander die Glut unter der Asche entdecken”) e que, em
poucos dias, esgotou-se, e está na quinta edição, publicado em alemão, inglês,
francês e italiano.
A reportagem é de Ludovica Eugenio, publicada
na agência italiana Adista, 12-01-2013. A tradução é de Anete Amorim
Pezzini.
FALTA O FOGO
Para Werlen, a situação dramática da Igreja não
se deve apenas à escassez de sacerdotes ou a sempre declinante participação dos
crentes na vida eclesial: o ponto é que a Igreja é “fria” e arrisca
desaparecer, com 20% da população longe de qualquer afiliação religiosa e uma
acentuada polarização entre progressistas e conservadores: “Se, como Igreja,
estamos presos às polarizações – afirma ele – não consentimos às pessoas
descobrirem as brasas que dão a vida, e pretendem continuar a arder ainda hoje.
Precisa-se perguntar o objetivo de escutar e fazer hoje aquilo que Deus quer
dizer-nos. Não nos podemos permitir, em suma, de perder o ponto: “Se os
problemas não são tratados ou se não é lícito falar sobre eles, com esse comportamento
joga-se a credibilidade e, junto com ela, também a fé. Está em jogo o
essencial!”, escreve Werlen. Em tal contexto, a verdadeira desobediência
é constituída do fato de não levar a sério pessoas e situações, destaca ele,
referindo-se à iniciativa austríaca dos padres desobedientes: “Visto que aqueles que têm
a responsabilidade não se dão conta da situação e são então desobedientes,
surgem iniciativas que são gritos de socorro, pedidos de medidas de emergência,
que são compreensíveis, mas que podem até causar divisão ou abandono da
instituição".
Por outro lado, a Igreja nestes últimos anos tem
perdido a própria credibilidade, principalmente porque subestimou ou abordou de
modo errado o escândalo de abusos sexuais, vinculando-os às famílias, e não à
própria Igreja, demonstrando assim ter “uma posição defensiva irresponsável,
mas também incompetência teológica”: “Também quando os abusos sexuais ocorrem
nas famílias dos batizados, são abusos cometidos na Igreja”, sublinha, “todos
os batizados fazem parte da Igreja. O testemunho deve ser de todos os
batizados…”.
NOMEAÇÃO DOS BISPOS, O CELIBATO, O GÊNERO
Uma das maneiras para remover as cinzas frias,
argumenta o abade de Einsiedeln, seria a de mudar a modalidade como os bispos
são nomeados, provendo um maior envolvimento dos crentes; do mesmo modo,
precisaríamos ser capazes de discutir o celibato dos padres: “Conseguimos apresentar o seguimento de Cristo no
celibato de modo a ser considerado lei”. E sobre a questão de gênero, a Igreja
é “desastrada e impotente”: “O ser humano é homem ou mulher. Mas a Igreja
continua a ter dificuldade a dizer sim à mulher”.
Werlen
propõe, então, a rotação a cada cinco anos de mulheres e homens de cada idade e
proveniência no Colégio dos Cardeais, proporcionando reuniões trimestrais em
Roma, que trariam “dinamismo à liderança da Igreja”. Também os processos
sinodais deveriam ser revistos: “Se os sínodos dos bispos são preparados e
acompanhados de forma assim tão importante pela Cúria Romana, de modo que não
surja nada de novo, ainda é um testemunho de fé?”. Como no Vaticano II,
os bispos “devem dar-se conta das próprias responsabilidades e, com a ajuda dos
teólogos, e junto com o papa, enfrentar com fé as mudanças, e que o trabalho
continua a ser trabalho”. De problemas, em suma, a Igreja está cheia, todos
conhecidos, mas nada, até hoje, foi feito para superá-los.
A APROVAÇÃO DO PRESIDENTE DOS BISPOS
Uma semana depois da primeira publicação da brochura,
o abade beneditino recebeu mais de mil correios electrónico e centenas de
cartas dos católicos suíços. Também o novo presidente da Conferência dos Bispos
da Suíça, monsenhor Markus Büchel, de Saint Gallen, respondeu positivamente ao apelo:
“O abade Werlen – escreveu em um comunicado – levantou questões urgentes
trazidas pelos fiéis; destacou os problemas de modo muito claro, e sugeriu
possíveis soluções. Isso representa um estímulo para discussões indispensáveis
na Igreja, as quais também são minha fonte pessoal de preocupação. Eis porque
lhe sou particularmente reconhecido”.
In Abade
beneditino suíço, Instituto Humanitas Unisinos…
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