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sábado, 20 de julho de 2013

“Hoje a nossa religião é o dinheiro”

Entrevista ao médico José Eduardo Pinto da Costa, hoje no DNotícias, 20 de Julho de 2013. Todo o diálogo é muito enriquecedor, vale a pena ser lido para que a reflexão sobre esta temática nos acompanhe. Apresento-vos a parte da entrevista que mais me tocou e chamou a atenção… Obrigatório ler. Está cheia de denúncias certeiras e aponta caminhos para a mudança que deve ser feita nesta área, a nossa saúde, para que tenhamos uma sociedade mais humana e mais de acordo com a felicidade…


Tem a noção do peso do suicídio em Portugal e como tem evoluído?
Eu acho que está a aumentar, vamos estimar cinco suicídios por dia, em média. São muitos mais casos e com tendência a aumentar.

A Saúde Mental está ao nível?
A Saúde Mental é fundamental. O problema com todas as deficiências que existem hoje para muitas famílias, nós não podemos falar em saúde mental, porque a saúde mental traduz logo um complexo de bem-estar físico, mental, social e espiritual. Ora, se o indivíduo não tem de comer, tem sede e não tem água para beber, se precisa de determinadas necessidades primárias e não tem e foi preparado nesse sentido, aquelas carências todas não podem promover a higiene mental. E a minha higiene mental depende da sua e assim por diante. Depende de todos que vivemos em cadeia. É uma questão de reagir emocionalmente. Nós não somos Robinson Crusoé, não vivemos sozinhos. Nós somos necessariamente socializáveis.

O facto de haver poucos médicos psiquiatras pelo menos aqui na Madeira, acha que isso afecta o domínio do suicídio?
Eu acho que a Saúde Mental, mais do que a psiquiatria, depende de uma prevenção. O psiquiatra é o bombeiro para resolver a situação, não deveria ser necessário haver psiquiatras, era importante que houvesse psicólogos. A estabilidade emocional de todos nós não levaria em termos de probabilidade a que descompensássemos. Se não descompensássemos, poderíamos ter um psicólogo a ajudar-nos, mas não era a ajudar-nos agora. Era quando saímos da barriga da mãe, quando éramos crianças, quando íamos para a escola, com todos os nossos problemas, a nossa evolução. A crise na adolescência que não é crise nenhuma.
Não há uma informação adequada e atempada que se acontecer isso, é porque há um acerto hormonal devido ao desenvolvimento da adolescência, mas passado um ano ou dois vai ficar igual, mas não há uma pedagogia nesse sentido.

E em relação aos médicos?
Depende. O problema dos médicos não é aquele mar de rosas que se diz por aí. No século passado, quando o médico com a sua caneta de prata receitava em casa do paciente, a família toda observava em silêncio enquanto o senhor doutor religiosamente estava a cumprir aquele ritual. Era assim. Por outro lado, as dependências económicas do médico, as suas necessidades não eram tão avultadas como são agora. Não tinham necessidade de alimentar o seu Ferrari, nem o seu iate, nem as suas quintas, nem as suas viagens, não havia essa necessidade porque o médico era o ‘João Semana’. Era o indivíduo que ia atendendo as populações, não raras vezes tinha assistido ao parto da mãe e ao das filhas e assim sucessivamente e muitas vezes era remunerado por presentes ingénuos: davam-lhes umas galinhas, uns frangos, coisa do género.
Hoje não é. A própria actividade médica perdeu muita da humanização e hoje é uma profissão como outra qualquer, porque o médico paga impostos que não é brincadeira, como paga outra profissão qualquer e, portanto, essa profissionalização afastou digamos daquela entrega e relação médico-doente pura um pouco utópica em termos teóricos em que a vida humana era valorizada de uma maneira extraordinariamente grande, quando hoje a vida humana não presta para nada. O que interessa hoje é o dinheiro. Hoje a nossa religião é o nosso dinheiro. Agora o que vale a vida humana? Não vale nada. Não tem interesse nenhum!

Faz falta o tal doutor ‘João Semana’ na Saúde em Portugal?
É reconhecido que faz falta porque a política actual está a querer transformar o médico profissional em ‘João Semana’, ou seja, a capacidade de resolver todos os problemas do seu semelhante em termos de cidadania.
Hoje, as pessoas tendem muito a não querer tratar os outros, porque um número significativo não se interessa com os outros. Interessa-lhes muito mais estar a olhar para o microscópio, olhar para uns aparelhos sofisticados que lhes dê muito mais dinheiro do que estar a aturar os queixumes do outro, porque quem vai procurar um médico não é para lhe dizer: ah estou cheio de saúde! Não.
A vida mudou radicalmente. Mas há alguns que ainda têm uma vocação extraordinariamente grande para continuar a tratar do próximo. Mas veja o absurdo que há em Portugal: a selecção para as faculdades de medicina como é que se faz? Pelas notas. São os indivíduos com 18, 19 valores e mais do que isso que têm predilecção para ser admitidos. Serão esses aqueles que se interessam mais pelas deficiências do próximo?

Acha que deveria haver critérios de avaliação?
Obviamente.

Por exemplo?
Por exemplo, o interesse pelo sofrimento do próprio, pela capacidade de compreensão dos diversos problemas, fosse sofrimento ou não. O prazer que o próprio teria em dialogar com outra pessoa, entrando na sua esfera de preocupações, mas não. Hoje o que se quer é que haja na realidade uma nota muito grande. Depois o que é que acontece na prática? Não vão para clínicos porque não estão para aturar os doentes. Vão para investigação científica. Metem-se nos laboratórios.

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