1. Está pronta a cama sobre o atapetado
verdejante no meio do campo, um quarto de dormir do tamanho do mundo. Há fado
em fundo que ecoa de um restaurante, que liberta sons de talheres, copos,
pratos, odores, gargalhadas, palmas, palavras desconexas e muita indiferença. O
dono desta cama vagueia apetrechado com tantos tempos, todos os tempos que a
vida permite dar, nunca soube nem muito menos sabe agora qual o tempo a que
pertence. É dono da praça toda e do teto que é feito de azul nos dias quentes
do Verão, escuro nas noites de inverno e sombrio em todos os tempos quando
vagueia, perdido, só… Ah, mas há verde, para alguns dizerem, que o verde é a
esperança.
2. Aquele campo ou praça tem tantos
caminhos, atalhos que a maioria considera ser ornamento. Todos nós vagueamos
por eles, também indiferentes a uma cama que serenamente espera o coração que
não para, mas que pulsa forte mesmo que se veja apenas trapos e farrapos sobre aquele
corpo. Ele dói tanto como dói qualquer coração se lhe cravam pontiagudo o
silêncio e o encolher de ombros cheio de penas inconsequentes. Tão aprumada e
certinha a cama. Quantos de nós não desejariam saber fazer assim uma cama sobre
a esperança!
3. Aquele corpo anónimo no meio de tanto
povo, igual a todos, à noite deposita ali mesmo naquele descanso simples os
seus sonhos despojados e a esperança de algo que nunca mais chega. Muitas vezes
chora se olha em volta e vê tanto chão verde para ser pisado com os pés e com o
corpo - se falamos do seu, quando se reclina para o merecido descanso da alma. Contudo,
mais que certo, é que soluça o frio nos invernos rigorosos. E Transpira as
noites quentes e abafadas do calor dos verões. Aquele travesseiro fica quieto, recebe
e ensopa cada lágrima que se desaguasse como aluvião, ao fim de todos os tempos
seria suficiente para inundar a cidade. Por fim, deve chegar o corpo todo, o
olhar inquieto e melancólico, a pergunta, «porque eu e não outro qualquer?» É o
aconchego possível, mas merecido, que uma injustiça incerta reservou… Mas somos
todos ao relento, porque estamos abandonados de nós próprios. O corpo todo
horizontalizado, com sonhos ou sem eles, dorme…
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