1. Eutanásia, morte medicamente assistida. «Morte doce» como define a palavra eutanásia. Há tanta coisa terrível neste mundo.
Mas vermos uma pessoa a sofrer e sabermos que o único fim para esse sofrimento
é a morte, mexe com todas as entranhas do nosso corpo e remete-nos para a
imensidão do mistério que nos envolve. São imensas as vezes que me lembro que a
maior das minhas inquietações está relacionada com o sofrimento. Não temo tanto
a morte, mas o sofrimento, a dor e a angústia a ele relacionado. Esta deve ser
das coisas mais perturbantes que me removem o pensamento e a alma.
2. Como eu, devem ser quase todas as
pessoas a pensarem e a se inquietarem sobre o sofrimento, a dor. Por isso, não
admira que o tema da eutanásia esteja aí em força. É um assunto complexo. Ontem
presenciei um pouco do programa da Fátima Campos Ferreira, Prós e Contras,
sobre esta temática. Foi um arraial de argumentos, percebe-se que há uma larga
maioria que defende claramente a aplicação da eutanásia com base na «vontade do
doente» e ponto final. Mas, ainda outra maioria que é contra, argumentando com
base filosófica, religiosa, psicológica e cultural. Eu, espectador, no final do
programa, estava mais confuso do que nunca sobre a eutanásia.
3. Face à ramboiada da argumentação, vamos
ter na Assembleia da República uma discussão e votação sobre este assunto,
sobre o qual não há uma clareza de argumentos que nos deixe descansados. Seja a
eutanásia votada favoravelmente ou, ainda assim, não passe na Assembleia da
República, vamos continuar envoltos numa enorme confusão. Por hora ainda não me
encaixa a ideia de que devemos discutir estas questões fraturantes só porque
devemos ser um país moderno e que tem que estar na linha dos países onde estes
assuntos são votados e aprovados sob o espírito do vanguardismo e do progresso.
Progresso é outra coisa bem distinta e quiçá por aí não se encontrem argumentos
que venham dizer que a eutanásia é perfeitamente desnecessária…
4. Face a este considerando de
vanguardismo e modernismo, devemos ter em conta um elemento que não deve ser
descurado. Face a este contexto, do meu ponto de vista, há dois aspectos a ter
em conta. Por um lado, os avanços tecnológicos e científicos no domínio da
saúde também não pararam no tempo, por isso, a morte natural sem sofrimento
hoje devia ser uma possibilidade para todas as pessoas. Por outro, a doença faz
parte da vida e o sofrimento nunca vai acabar. Por aqui se percebe o que dizia
sobre a doença o médico João Lobo Antunes: «A doença convida ao exame da vida, provavelmente a única circunstância
em que chegamos próximo da análise lúcida do caminho percorrido. Então
regressam à cena os actores esquecidos da nossa biografia. Voltamos a viver os
momentos em que subimos mais alto do que alguma vez aspirámos, ou descemos
àquela profundidade em que a vergonha nos perdera. Ouvimos novamente as
palavras que deveríamos ter contido ou então, pelo contrário, as que ficaram
por dizer. Contabilizamos o balanço final e escrevemos, com um sorriso e um
travo de amargura, o último currículo». Até que ponto a eutanásia não é uma
forma de travar as várias possibilidades vivenciais que o deserto da doença
também permitir experimentar? E perante o que se devia exigir quanto à
qualidade dos nossos hospitais, a aposta nos cuidados paliativo e na dignidade
das pessoas na convalescença, quem sabe se a eutanásia não é uma forma de nos
livrarmos de tais apostas responsabilidades? Por isso, quem sabe se a eutanásia
encapotada de avanço civilizacional não é antes um grave retrocesso
civilizacional?
5. Neste momento não tenho claro se sou a favor ou se sou contra a
eutanásia, até porque, não deve ser assim que tratamos os assuntos quando são
desta gravidade. Porém, estou seguro que sou pela vida, pela sua qualidade e
dignidade em absoluto, do momento da concepção até à morte natural. A ligeireza
do ser contra ou favor, não deve fazer parte desta questão. Também não embarco
na ideia de que por ter esta ou aquela religião deve-se ser contra. Muito menos
ainda se não tendo religião pode-se e até deve-se ser a favor da eutanásia. A
vida a meu ver está muito para além de tudo isso e não depende felizmente dos
estados de alma ou dos sentimentos de uns e de outros. Finalmente, está
instalada a confusão, isso não é bom para a reflexão e para o debate.
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