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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A eutanásia voltou em força

1. Eutanásia, morte medicamente assistida. «Morte doce» como define a palavra eutanásia. Há tanta coisa terrível neste mundo. Mas vermos uma pessoa a sofrer e sabermos que o único fim para esse sofrimento é a morte, mexe com todas as entranhas do nosso corpo e remete-nos para a imensidão do mistério que nos envolve. São imensas as vezes que me lembro que a maior das minhas inquietações está relacionada com o sofrimento. Não temo tanto a morte, mas o sofrimento, a dor e a angústia a ele relacionado. Esta deve ser das coisas mais perturbantes que me removem o pensamento e a alma.

2. Como eu, devem ser quase todas as pessoas a pensarem e a se inquietarem sobre o sofrimento, a dor. Por isso, não admira que o tema da eutanásia esteja aí em força. É um assunto complexo. Ontem presenciei um pouco do programa da Fátima Campos Ferreira, Prós e Contras, sobre esta temática. Foi um arraial de argumentos, percebe-se que há uma larga maioria que defende claramente a aplicação da eutanásia com base na «vontade do doente» e ponto final. Mas, ainda outra maioria que é contra, argumentando com base filosófica, religiosa, psicológica e cultural. Eu, espectador, no final do programa, estava mais confuso do que nunca sobre a eutanásia.

3. Face à ramboiada da argumentação, vamos ter na Assembleia da República uma discussão e votação sobre este assunto, sobre o qual não há uma clareza de argumentos que nos deixe descansados. Seja a eutanásia votada favoravelmente ou, ainda assim, não passe na Assembleia da República, vamos continuar envoltos numa enorme confusão. Por hora ainda não me encaixa a ideia de que devemos discutir estas questões fraturantes só porque devemos ser um país moderno e que tem que estar na linha dos países onde estes assuntos são votados e aprovados sob o espírito do vanguardismo e do progresso. Progresso é outra coisa bem distinta e quiçá por aí não se encontrem argumentos que venham dizer que a eutanásia é perfeitamente desnecessária…

4. Face a este considerando de vanguardismo e modernismo, devemos ter em conta um elemento que não deve ser descurado. Face a este contexto, do meu ponto de vista, há dois aspectos a ter em conta. Por um lado, os avanços tecnológicos e científicos no domínio da saúde também não pararam no tempo, por isso, a morte natural sem sofrimento hoje devia ser uma possibilidade para todas as pessoas. Por outro, a doença faz parte da vida e o sofrimento nunca vai acabar. Por aqui se percebe o que dizia sobre a doença o médico João Lobo Antunes: «A doença convida ao exame da vida, provavelmente a única circunstância em que chegamos próximo da análise lúcida do caminho percorrido. Então regressam à cena os actores esquecidos da nossa biografia. Voltamos a viver os momentos em que subimos mais alto do que alguma vez aspirámos, ou descemos àquela profundidade em que a vergonha nos perdera. Ouvimos novamente as palavras que deveríamos ter contido ou então, pelo contrário, as que ficaram por dizer. Contabilizamos o balanço final e escrevemos, com um sorriso e um travo de amargura, o último currículo». Até que ponto a eutanásia não é uma forma de travar as várias possibilidades vivenciais que o deserto da doença também permitir experimentar? E perante o que se devia exigir quanto à qualidade dos nossos hospitais, a aposta nos cuidados paliativo e na dignidade das pessoas na convalescença, quem sabe se a eutanásia não é uma forma de nos livrarmos de tais apostas responsabilidades? Por isso, quem sabe se a eutanásia encapotada de avanço civilizacional não é antes um grave retrocesso civilizacional?
 
5. Neste momento não tenho claro se sou a favor ou se sou contra a eutanásia, até porque, não deve ser assim que tratamos os assuntos quando são desta gravidade. Porém, estou seguro que sou pela vida, pela sua qualidade e dignidade em absoluto, do momento da concepção até à morte natural. A ligeireza do ser contra ou favor, não deve fazer parte desta questão. Também não embarco na ideia de que por ter esta ou aquela religião deve-se ser contra. Muito menos ainda se não tendo religião pode-se e até deve-se ser a favor da eutanásia. A vida a meu ver está muito para além de tudo isso e não depende felizmente dos estados de alma ou dos sentimentos de uns e de outros. Finalmente, está instalada a confusão, isso não é bom para a reflexão e para o debate.  

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