1. O Papa Francisco reconheceu em Roma
neste sábado passado que há uma «hemorragia» na Vida Consagrada, que enfraquece
a Vida Consagrada e a própria vida da Igreja e que «Os abandonos na vida
consagrada nos preocupam muito» - disse-o perante os participantes na Plenária
da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida
Apostólica, ao abordar o tema escolhido para este encontro: «fidelidade e
abandonos».
2. As notícias avançam, segundo as
estatísticas, que em Espanha encerra um convento por mês. A falta de vocações e
os abandonos são as principais razões para estes encerramentos. Entre nós não
se tem falado muito sobre este assunto. Há como que um silêncio estudado sobre
esta questão. Faz-se de conta que está tudo bem.
3. Obviamente, que não é com alegria que
vejo a dita «Vida Consagrada» definhar. Os conventos foram lugares de santidade
inigualável, espaços privilegiados de estudo que contribuíram para o progresso
da humanidade a todos os níveis. Pelos conventos brilhou a cultura em geral
destacando-se a riqueza e a beleza da música, as enormes colecções de livros, a
grandeza das bibliotecas, a culinária, a investigação científica, o pensamento
filosófico, os laboratórios, o desenvolvimento agrícola e nenhuma dimensão
humana foi descurada pelo trabalho dos frades e freiras ao longo dos séculos.
Não esqueçamos o quanto foram
importantes para fixar as povoações e como foram portos de abrigo para matar a
fome material, cuidar da saúde e saciar a sede de Deus para tantos homens e
mulheres de tantos lugares do mundo e nos diversos momentos da história da
humanidade, especialmente, as ocasiões da guerra, da peste e da fome.
4. Mas não podemos também deixar de ver
que os conventos foram lugares de verdadeira «escravidão» e repressão em nome da «santa
obediência» e em nome da desigualdade que ali se vivia como um desígnio divino.
Tudo isto e as mudanças humanas que se foram verificando com o passar dos anos,
levaram à escassez de vocações para a «vida consagrada». Hoje várias
congregações e conventos definham. São autênticos lares de idosos/idosas sem
sangue novo que lhes garanta olhar o futuro com um sorriso de esperança.
5. Há também razões alheias à «vida
consagrada», com toda a certeza, para a convalescença dos conventos. Mas
essencialmente a «doença» deriva da perda de identidade da «vida consagrada».
Os conventos converteram-se em centros administrativos de escolas iguais às
outras ou centros de acolhimento de doentes sem que seja prioritário ser fiel à
mensagem dos seus fundadores. Estão dominados os frades e as freiras que restam
pela Segurança Social de acordo com as políticas levadas a cabo pelos partidos
políticos que assumem a governação. São a mão caridosa do poder político em
muitas situações.
6. Esta perda de identidade, que passa
pela infidelidade ao carisma dos seus fundadores e a subjugação ao poder
político vigente, conduziu os conventos à sua inutilidade e a consequente morte
das causas que defendiam. Por isso, hoje temos congregações religiosas todas
muito iguais, não se percebe para que serve cada uma e qual é o destino de cada
uma. Os que restam nos conventos e nas congregações religiosas, são alguns
homens e mulheres idosos aflitos para segurarem o vasto património que têm entre
mãos, que resultou do seu momento histórico de esplendor.
7. A «vida consagrada» não pode esquecer
deliberadamente a dimensão da fraternidade, não pode ser motivo de desigualdade
onde os mais antigos são senhores e reis que dominam os mais novos, não pode
ser um caminho de mordomias para comer bem e os outros comerem sobras ou uma
zurrapa qualquer só porque começam agora, não pode ser fechada do mundo e da
vida social de hoje, não pode recorrer à escravidão e à subjugação dos
candidatos, não pode ter como chefes pessoas doentes ou suspeitas de alguma
mazela pouco edificante, não pode ser apenas e só administradora de vasto
património, não pode deixar as suas causas e a razão de ser da sua existência
que normalmente estava associada aos pobres, à educação e à saúde dos mais
necessitados.
8. É urgente que a dita «vida consagrada»
se reencontre com o espírito dos seus fundadores e nos mostre em que é que se
distingue para que a partir daí os jovens estejam disponíveis para abraçar
causas que libertam e promovem o bem comum e a justiça, como foram o pensamento
e a prática dos seus fundadores. As razões do definhamento da Vida Consagrada
não estão principalmente fora, na vida de hoje e na crise das famílias, como se
aponta frequentemente, mas estão também, e essencialmente, dentro da própria
Igreja em geral e dentro de cada comunidade religiosa de Vida Consagrada. Sem
mudanças, o único horizonte que vejo, é mesmo esse, o fim dos conventos.
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