1. Para hoje
reservei a hipocrisia e o oportunismo político abençoado pela mais alta
hierarquia da Igreja Católica Portuguesa (embora disfarce), para pensarmos
neste humilde banquete que nunca chegará ao Papa Francisco por nenhuma via nem
muito menos por aqueles sortudos que irão falar com ele nestas horas de visita
ao Santuário de Fátima.
2. Veio a tolerância de
ponto. Está mais que evidente o aproveitamento político e sendo o governo de
esquerda, devia mostrar a sua coerência e a sua defesa intransigente da
laicidade do Estado. Essa coerência do Estado laico deve existir em todos os
momentos. E ponto final. Mas sendo declarada por uma razão qualquer deve
contemplar todos os portugueses, tanto no continente como nas ilhas. Por isso,
devia ser para todo o país, ao contrário daquilo que defendeu o Presidente do
Governo Regional da Madeira, que invocou a não «continuidade territorial» para
não declarar na Madeira a tolerância de ponto. Não há, não pode haver,
portugueses de primeira e portugueses de segunda. Não é assim que está
consagrado na Constituição Portuguesa e no Estatuto Político da Madeira?
- Mas, a partidarite não raras vezes reveste-se da mais sentida devoção religiosa
para fazer vingar os seus intentos.
Seguindo ainda mais de perto estas
reviravoltas partidárias, temos três concelhos na Madeira com tolerância de
ponto para os seus funcionários para verem o Papa: Funchal, Porto Moniz e Porto
Santo. Ah… Já me esquecia, a Universidade da Madeira também alinha na
tolerância de ponto. Melhor é impossível…
3. Mais interessante ainda foi o
«carnaval» na Assembleia Regional da Madeira. Disseram as notícias que o PSD e o CDS apresentaram, no parlamento regional, dois
votos de congratulação pelo centenário das aparições em Fátima e pela visita do
Papa Francisco a Portugal, justificados pela «devoção» dos madeirenses. O CDS,
através do deputado Rui Barreto, voltou a desafiar o governo regional a
conceder tolerância de ponto aos funcionários públicos, na sexta-feira.
O partido JPP e o PS associaram-se
aos votos, recordando a tradição católica de Portugal e o PCP compreende a
intenção das propostas que, segundo o deputado Edgar Silva, não se centram nas
aparições mas na visita do papa.
As críticas mais fortes vieram
do BE e do deputado Gil Canha que votaram contra. O deputado independente
defendeu o respeito pela separação entre o Estado e a Igreja e acusou os dois
partidos proponentes de aproveitamento grosseiro da visita papal. Cá nada! Será
até caso para adivinhar um forte arrependimento de um líder partidário e
Presidente de Governo Regional arrependido pelo imbróglio que criou com aquela
justificação atabalhoada da «continuidade territorial» para não conceder
tolerância de ponto na Madeira no dia 12 de maio de 2017.
O deputado Rodrigo Trancoso,
do BE, considerou «ridículos» os dois votos de congratulação e lembrou o
contexto em que se verificaram as aparições de Fátima, em 1917, que considerou
serem um «grande embuste».
O mais famoso e truculento
deputado da Assembleia Regional da Madeira, José Manuel Coelho, do PTP, fazendo
uma incursão bíblica protestou por serem dois partidos «fariseus», PSD e CDS, a
propor estes votos. Espetacular. Melhor é impossível…
4. Por fim,
destaque-se a santa aliança política nesta matéria entre Presidência da República,
Governação do país e a hierarquia da Igreja Católica em Portugal. Todos
juntinhos nesta causa, mesmo que esta comunhão faça surgir leituras pouco
abonatórias para ambas as partes.
Neste âmbito não
quero deixar passar em branco a «conversão» do Partido Comunista Português. Foi
enternecedor ler o seu comunicado de imprensa, onde o
Partido Comunista Português (PCP) afirmou a sua posição em relação à visita do
Papa Francisco a Portugal.
O PCP reafirma a sua
posição a princípio de respeito e defesa da liberdade de consciência, de
religião e de culto. «Trata-se de uma conquista de abril e de uma exigência
constitucional, pela qual lutámos», diz o documento.
Mas relembrou que muitos
dos seus militantes são católicos e crentes, havendo dentro do Partido um
respeito pelas «múltiplas expressões e manifestações de religiosidade». A
relação da Igreja Católica com o PCP é descrita como um «normal relacionamento
institucional», que deve
ser respeitado, assim como a visita do Papa, «acolhida com a consideração
devida» pelo seu carácter religioso. Só faltou dizer que «rezava» pelo sucesso
da peregrinação a Fátima do Papa.
5.
Estas peripécias em nome da peregrinação do Papa Francisco e dos 100 anos da
história da Cova da Iria, nada se coaduna com a simplicidade e proximidade
deste Papa, que nem por sombra deve sonhar com estas cambalhotas e que muito
deviam envergonhar-nos, não fossem tão cheias de graça.
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