A fé não resulta de um
contrato entre duas partes que devem obedecer a um conjunto de regras
previamente bem delineada e assumidas sob uma assinatura bem legível e
reconhecida por uma entidade com legitimidade para tal. Também não é uma brecha
ou escape que algumas dessas regras permitem sob o crivo da subjectividade da
interpretação pessoal que cada um entenda realizar de acordo com a sua idiossincrasia.
Conta-se que o
comediante W. C. Fields, agnóstico de uma vida inteira, estava no hospital em
razão da doença que o iria levar à morte. Recebeu a visita de Groucho Marx que
encontrou Fields a ler a Bíblia. «Ora essa Fields», disse Groucho, «o que estás
fazendo?» - Ripostou Fields: «Procurando brechas».
Por este prisma fica
claro que a Bíblia muitas vezes é entendida como resultado de um «contrato»
entre Deus e a humanidade. Um conjunto de leis ou regras que se vividas à
risca, darão acesso imediato à salvação. Pelo meio podem existir algumas
brechas que salvaguardem quem eventualmente não tenha pautado a sua vida pela prática
desse conjunto de regras e que descobrindo esse raio de sol pode sair
iluminado.
A Bíblia não é esse «contrato»
nem tem brechas que sejam mais amenas que permitam uma descoberta mais fácil de
viver a fé e de alcançar a salvação.
A Bíblia resulta da acção
de Deus na História do mundo e da humanidade. Ela é a Palavra de Deus, os
milagres de Deus e a acção de Deus para o bem da humanidade. É uma «proposta»,
um caminho, uma possibilidade para alimentar o dom da fé que Deus semeia no
coração humano. Daí que reduzir a fé a uma coisificação contratual não garante
vida melhor, mais dinheiro, mais diversão, mais saúde, mais sucesso, mais ausência
de problemas e dificuldades… Nessas contingências desta vida, a fé, é sim uma mais-valia
que ajudará sempre a fazer desta vida uma realidade não só deste mundo, mas
transcendente, vinda de Deus e em caminho para o mesmo Deus.
A fé não se encontra
dentro dessa perspectiva contratual, mas situa-se no coração humano como chave
que dá sentido à existência humana e ajuda nas respostas para as perguntas de
onde a felicidade depende.
Assim, pelo caminho da
fé, que descubro não nesse acordo contratual nem muito menos numa brecha, faço
da minha vida um serviço moral de bondade e de felicidade. Não apenas uma
moralidade do ser bonzinho, coitadinho ou outra coisa qualquer acabada em
«inho», mas faço do meu viver intimidade com Deus que me leva a ser enérgico na
defesa do bem, da vida, da criação, da justiça… Este caminho da fé, dom
descoberto é saber com inteligência distinguir as coisas, olhando tudo à minha
volta com «os olhos de Cristo» como dizia Orígenes o Cristão (séc. II).
Por esta via Pascal
proferirá o melhor que se pode dizer pela fé no Deus da Misericórdia e da
Bondade revelado por Jesus Cristo: «A impossibilidade que sinto para provar que
Deus existe, é a melhor prova para mim da sua existência». Deixemos o caminho
de Deus fazer-se com o nosso caminhar periclitante nos altos e baixos desta
vida com o olhar fixo na realidade maior que o inabarcável Deus nos reserva no
mais profundo segredo da existência. Sem contratos nem escapes, mas na liberdade
eficaz da acção do Espírito libertador do Deus da salvação.
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