Semana Santa - reacender a esperança
Sempre
defendo e por isso me bato afincadamente pelo seguinte ensinamento «o ramo não
faz a floresta». Porém, às vezes fico com a sensação que afinal o ramo algumas
vezes pode fazer a floresta. Repare-se quando uma figura representativa,
simbólica pode fazer com que facilmente os olhares e o entendimento sejam
convergentes no que se vê, ouve e no que se entende de que naquele gesto,
naquela palavra está representada uma realidade muito mais vasta, uma
instituição, um conjunto de pessoas, um grupo, uma nação, uma comunidade…
Com
a eleição do Papa Francisco, nos nossos corações as luzes da esperança reacenderam-se e brilham de forma cintilante como nunca. Porque vimos um homem
como nós, que precisa de oração e reza como todos nós. Não é alguém idolatrado,
mas limitado, pobre, simples e humilde como a grande porção de gente que faz
este mundo.
Esta
imagem pode fazer uma instituição e pode ser exemplo para milhares de pessoas
que sonham e lutam por uma Igreja Católica mais despojada para servir toda a
humanidade, especialmente, os pobres a todos níveis como defendeu de forma
emblemática o Padre Tolentino Mendonça no Público do domingo 24 de Março de
2013: «Antes de tudo, no seu discurso [do Papa Francisco] os pobres são
literalmente os pobres e depois são todas as pobrezas. Porque todos somos seres
feridos, temos pobrezas, carências – a procura de Deus é também uma
inquietação, uma sede, uma fome, a fome de sentido, de razões de viver. Tudo
isso mostra a pobreza da condição humana com a qual a Igreja tem de dialogar».
Neste âmbito, um homem só pode ajudar a fazer uma floresta ou ainda, ele que é
uma gota pode fazer um oceano em alguns aspectos…
Porém,
passados vários dias desta eleição e neste ambiente forte da Semana da Santa e
da Páscoa, vamos vendo e ouvindo que alguns ainda não despertaram para a
viragem que se está a dar neste tempo que nós vivemos, porque deslumbram-se com
o passado, com outros exemplos e com outros ensinamento que não dizem do
essencial nem muito menos ensinam para tomarmos com lucidez as coisas que
acompanham a humanidade de hoje não como forças diabólicas, mas como desafios
que bem utilizados podem realizar maravilhas. Não ver isto e não saber ler
isto, revela uma grave miopia que nos pode conduzir à tragédia.
Face
a esta conjuntura receio que uma voz ou algumas vozes deslumbradas com o vazio
manchem a toda a realidade e arrastem um conjunto de pessoas para a fossa da
péssima imagem ou para um quadro negro onde reina o desamparo, a solidão e o
abandono.
Então,
receio que não se aprenda nada com a atitude despojada, pobre e humilde do Papa
Francisco.
Receio
que a teimosia em manter o discurso da ilusão que se pode viver do e no espiritismo
ignorante, alienante vai resolver alguma coisa dos nossos problemas das
sociedades de hoje.
Receio
que a linguagem não se altere, até parece piorar, quando a grande mudança que
se espera hoje da nossa Igreja Católica é essa da linguagem. Reparemos no que
diz o Padre Tolentino: «A primeira é uma mudança de comunicação. A Igreja
Católica precisa de um projecto de comunicação, que não é da ordem do
marketing, mas uma capacidade de tornar legível e percetível o que ela é e de
apostar muito mais numa comunicação direta. Mesmo o cristão médio, com
formação, tem dificuldade em ler uma encíclica do Papa. Há́ um défice de
autocompreensão no interior da Igreja. Às vezes parece que a Igreja não
precisa de se fazer entender, mas precisa. Este esforço é muito um esforço de
tradução». Não perceber isto, resulta um ambiente péssimo na Igreja e não irá
longe com as sua mensagem e actividades que não passarão de areia, abundância
de areia que enche os olhos e consolar a alma.
Receio
que a nova linguagem centrada na pobreza radique apenas e exclusivamente na
pedincha para alimentar fundos pomposamente chamados de solidários, mas depois
ninguém sabe para quem se destinam.
Receio
que o miserabilismo tome conta da pregação sem se descer dos pedestais
dialogando com todos, ricos e pobres, instruídos ou menos, velhos e novos,
pequenos e graúdos, todos os homens e mulheres que procuram o amparo da Igreja
como sinal, como caminho, como mãos que abraçam, como boca que denuncia a
injustiça e defende os injustiçados, como ouvidos que ouve e partilha das inquietações
dos homens e mulheres deste tempo concreto que é o nosso.
Receio
que nós neste canto continuemos a desviar as atenções para o pecado do
anacronismo, temas do passado, em reflexões, retiros, debates, conferências
para não se mexer no que mexe o pulsar da sociedade hoje.
Receio
que nos enganem com um disfarçado activismo para mostrar vigor e pujança, mas
que no fim espremendo não deita nada, está oco.
Receio
que tudo fique na mesma e com isto se confunda o ramo com a floresta, porque os
olhos que nos vêm vão todos no mesmo sentido e concluam tristemente que afinal
isto é tudo igual, todos pensam e agem pelo mesmo funil.
Livre-nos
Deus destes receios e que a sabedoria impere para que não se confunda o ramo
com a floresta para bem da nossa Igreja Católica e para bem do nosso mundo.
1 comentário:
Boa noite Padre
Gosto de ler os seus textos e procurar perceber as suas preocupações e pensamentos.
O Papa Francisco pode ser apenas um ramo mas já mexe com toda a floresta - a Igreja.
O mundo deposita nele fé e esperança que o seu exemplo seja a continuação da catequese de Jesus para os pobres sedentos do pão da vida e do amor - o pão da palavra de Deus .
Que todos possamos orar com ele nesta Pascoa, pedindo a Jesus Ressuscitado que concretize estes sonhos do Papa Francisco
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