Crítica de cinema
1. Estreou entre
nós o filme «Silence» de Martin Scorcese. É um filme que está a suscitar algum
debate na comunicação social. Obviamente, que merece ser bem escalpelizado e a
reflexão deve ser feita em todos os seus contornos. Já vi o filme. Gostei muito
e fez-me pensar em vários elementos que até não são novidade, principalmente se
considerarmos que o tema principal do filme prende-se com o sofrimento e o
silêncio Deus perante a crueldade que uns homens aplicam contra outros homens
em nome de uma divindade ou por causa dessa mesma divindade. O filme «Silêncio»
foi também estreado no Vaticano no dia 29 de novembro de 2016 para um grupo de
Jesuítas.
2. O filme trata
da grande perseguição aos cristãos no Japão no século XVII. Baseou-se no livro com o mesmo nome do
escritor japonês Shusaku Endo, publicado em 1966, que conta a história de
padres jesuítas enviados em missão ao Japão no século XVII, num contexto de
perseguição à fé cristã. Andrew Garfield – o intérprete do Homem-Aranha nos últimos filmes do herói
– interpreta o padre Sebastião Rodrigues, Adam Driver – de Lincoln e Star Wars:
O Despertar da Força – faz o papel do padre Francisco Garupe e Liam Neeson –
famoso pelo papel de protagonista em A Lista de Schindler e pela voz do leão
Aslan na trilogia As Crónicas de Nárnia – interpreta o padre Cristóvão
Ferreira. O filme é um velho sonho de Scorsese, que o desenvolve há 28 anos. A
produção começou 2009. A história é ficcional, mas inspira-se na vida real de
Cristóvão Ferreira, um padre jesuíta que viveu entre 1580 e 1650 e que negou a
fé cristã depois de ser torturado durante a perseguição aos cristãos no Japão.
O cristianismo chegou ao Japão em 1549, através do missionário jesuíta São
Francisco Xavier.
3. Porém, o filme tem muito que se lhe diga. Não
podemos pegar nas suas várias nuances e avalia-las ligeiramente com os parâmetros
da nossa mentalidade. Penso que será útil que vos destaque aqui os elementos
que mais me tocaram onde centrei a minha reflexão. Vejamos: a) o silêncio de
Deus face ao sofrimento humano, ainda mais se provocado cruelmente por homens
contra outros homens; b) a fé «numa verdade» a qualquer preço; c) a evangelização
sem inculturação não resulta; d) até que ponto a apostasia não é também uma
exigência de Deus quando ela quebra a corrente da crueldade e restitui a
liberdade? (…). São estes os itens que considero essenciais para que façamos um
leitura sobre o filme «Silêncio».
4. Quanto ao silêncio de Deus perante o sofrimento é
um tema antigo. Conta-se
que um dia, em Auschwitz, um grupo de judeus levou Deus a julgamento.
Acusaram-no de crueldade e traição. Como Job, não encontravam consolação nas
respostas comuns ao problema do mal e do sofrimento no meio daquela
obscenidade. Não conseguiam arranjar desculpa nem circunstâncias atenuantes
para Deus e, por isso, consideram-no culpado e, em princípio, merecedor da pena
de morte. O rabino pronunciou o veredito. Depois, olhou para cima e disse que o
julgamento estava encerrado: eram horas da oração da tarde. Outro aspeto, um
dia, a Gestapo enforcou uma criança. Até os SS se sentiam incomodados perante a
perspetiva de enforcarem um rapazinho diante de milhares de espectadores. A
criança que, recorda-se Elie Wiesel, tinha o rosto de “um anjo de olhos
tristes”, estava calado, extremamente pálido e quase calmo ao subir para o
patíbulo. Atrás de Wiesel, outro preso perguntou: “Onde está Deus? Onde está
Ele?” A criança levou meia hora a morrer, enquanto os presos eram obrigados a
olhar para ele. O mesmo homem perguntou outra vez: “Onde está Deus neste
momento?” E Wiesel ouviu uma voz dentro de si que o fez dar a seguinte
resposta: “Onde está Ele? Ei-lo - está a ser enforcado no patíbulo”. Não é
fácil compreender, somos humanos. Até porque o silêncio de Deus tantas vezes é ensurdecedor
e no filme podemos ver muitos desses momentos de silêncio ensurdecedor.
5. A fé «numa verdade» a qualquer preço e a evangelização
sem inculturação não resultam. Aliás fica bem clara a evidência desse fracasso num
dos diálogos entre o padre Sebastião Rodrigues e o intérprete japonês nomeado pelo
temível «inquisidor» japonês, o governador de Nagasáqui. Felizmente, hoje esta
não é a nossa mentalidade, mas não seria a do século XVII. A morte em nome da
fé contra a apostasia era considerado um «bem», porque se acreditava que após o
martírio, a entrada no «paraíso» seria direta. Esta mentalidade hoje não faz
sentido. Nenhuma fé é considerada um bem absoluto, mas um dom que em todas as
circunstâncias conduz à vida e à luta pela sua dignidade. Se a fé fere ou tira
a vida não serve para nada. A fé é geradora de vida, nunca motivo de morte. Não
se impõe a ninguém, mas é proposta que entra sempre pela via do diálogo com tudo
o que encontra no caminho. Daí a ideia da inculturação e o fim das verdades
absolutas.
6. Por fim, pergunto: até que ponto a apostasia não é também uma exigência
de Deus quando ela quebra a corrente da crueldade e restitui a liberdade? – No momento
da apostasia do padre Sebastião Rodrigues esse confronto fica bem claro na voz
que se ouve como diálogo interior entre Deus e o padre Rodrigues. Com isto se
conclui, que a fé não pode senão ser uma realidade que liberta do sofrimento e
que pode ser negada desde que isso traga um bem maior, neste caso, o fim da
perseguição de inocentes. Até chego a esta pergunta extrema, sentir-se-á Deus
beliscado na sua divindade ou na sua substância, se em nome da vida e do fim da
crueldade, que alguém o negue? – Estou seguro, pelo que sei do Deus em que
acredito, que até isso nos permite, porque a Sua opção é sempre pela vida absolutamente
e sem condições.
3 comentários:
Gostei muito da sua reflexão.
Gostei da sua reflexão, e É muito pertinente atendendo ao desafios que a humanidade tem pela frente , sejam eles religiosos ou políticos .
Um filme muito bom com o trabalho de Liam Neeson Eu adoro muito os livros por as histórias e sem dúvida 7 Minutos depois da meia noite é umo dos melhores filmes de Liam Neeson, já queria assistir e agora é um dos meus preferidos. Li o livro em que esta baseada faz alguns anos e foi uma das melhores leituras até hoje, e sem dúvida teve uma grande equipe de produção. É muito inspiradora, realmente a recomendo.
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